quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

O Patriota



Hoje vamos falar de mais uma estupidez que é incutida no pobre cidadão - o patriotismo. O patriota é aquele que ama a sua pátria em todas as circunstâncias e que sente um orgulho imenso em pertencer a determinado país. O patriota, fala com enorme orgulho do seu país e sente que pertence ao melhor país do mundo e está disposto a dar a sua vida para o defender. Aliás, sente orgulho em afirmar em voz alta que pertence a um grande país, ainda que esteja a falar de um miserável. 

Na prática, o que se incute no povo é um instrumento para defender os seus senhores contra ameaças externas e o seu poder estabelecido, mesmo quando a extinção desse país ou invasão poderia proporcionar melhores condições à vida do “rebanho”. O exemplo ibérico de várias tribos, celtas e iberas, que lutaram valentemente contra o império romano, mas que inevitavelmente acabaram por perder a guerra é um exemplo interessante. No fim, e apesar dos ibéricos serem vencidos, a população passou a dispor de um nível de vida imensuravelmente melhor (bom, pelo menos os que não foram feitos escravos): pontes, estradas, aquedutos, termas, teatros, anfiteatros etc. Hoje, estamos todos de acordo que a invasão romana, no final, foi melhor para todos; mas será que o mesmo não se pode aplicar aos dias de hoje? Será que o fim das muitas fronteiras políticas que ainda proliferam em todo o mundo não se traduziriam em melhorias significativas para os povos? Reparem nos benefícios que trouxe a UE para tantos povos outrora oprimidos e pobres. 
Patriota: A pessoa que consegue berrar mais alto sem saber sobre o que está a berrar. - Mark Twain
Vamos focar-nos num caso distante: os peruanos. Grande parte da sua população são índios — incas, aimarás e outras tribos menores — a quem lhes foi dado uma bandeira e um hino e agora sentem-se orgulhosos peruanos, dispostos a morrer e a matar pelo seu opressor e novo senhor — o espanhol independente da casa mãe (metrópole). Interessante é também vermos estes indígenas a conviverem pacificamente com estátuas de conquistadores espanhóis como Francisco Pizzaro, o homem que os escravizou e terminou com a sua civilização. E isto deve-se a quê? Essencialmente porque somos desde pequenos doutrinados a aceitar dogmaticamente como bom o nosso “senhor”, a sermos patriotas e a nunca questionar nada. E quem vai questionar? Se os pais, os irmãos, os amigos, a televisão, a rádio, o jogador de futebol nos dizem que sim, que devemos estar orgulhosos, é porque é verdade, não é? Se todos cantam o hino emocionados, é porque realmente este país é bom e devemos ser e sentir igual aos demais. Pensem no mapa de África, retalhado pelas potências europeias sem qualquer consideração pelos povos nativos, que em nada correspondem aos modernos países, e o mesmo pode ser dito de todo o mundo e apesar disto todos estes cidadãos sentem um enorme orgulho por pertencerem a estas novas realidades políticas. Alguém questiona algo? Não, não têm educação para tal e se questionarem são presos e até condenados à morte, apoiada pelos novos cidadãos. O mesmo vale para Portugal: pensem em quem são (foram) os nossos Reis? Pensem na casta de nobres e dos servos obedientes: quem são estes nobres? Por que razão o são? Por que não se misturavam com os nativos, os "verdadeiros portugueses"? Pensem no porquê das nossas fronteiras? Quem são os espanhóis? Quem somos nós verdadeiramente? Por que é que uns, por muito que trabalhem, serão sempre pobres? Por que é que há tanta desigualdade em Portugal?
A América, que nunca teve uma verdadeira independência dos nativos mas apenas uma libertação dos colonos brancos em relação à metrópole, ainda está longe da consciência do que realmente se passou. No entanto, aparentemente e felizmente, alguns nativos estão a despertar para a sua realidade e estão a eleger nativos iguais a eles mesmos — mesmo contra toda a propaganda que é feita — para os mais altos cargos das nações — como Evo Morales na Bolívia — na esperança de que os seus tenham mais alguma consideração e respeito por eles. Apesar dos poucos casos, a propaganda dos senhores estabelecidos tudo faz para contar a história à sua maneira, e impor a sua visão da história. Até agora têm conseguido.
Se até podemos aceitar que um norte-americano se sinta orgulhoso da sua pátria — porque lhe proporciona uma vida digna e com condições para singrar em qualquer área e é um dos países com mais direitos civis — já é difícil perceber um infeliz etíope, tailandês, ucraniano ou até português com orgulho. Em casos de países com uma justiça muito deficitária, sem uma educação decente e que asfixia a sua população com impostos até ao tutano, cheios de corrupção, com economias baseadas em salários baixos e que não deixam alternativa ao seu povo que não emigrar porque os seus governantes não passam de corruptos insensíveis, por que razão há patriotismo? Porque o país libertou-se de um opressor e passou a ter um ainda maior? Porque teve glórias há 300 anos atrás, ou há 1000? Porque ganhou um jogo de futebol? Porque tem a melhor gastronomia do mundo? Porque um ciclista ganha umas etapas no Tour de France? Porque um zé qualquer fez algo extraordinário? Realmente é preciso muita propaganda num país infeliz destes para que os servos continuem a acreditar que é possível singrar. Um país que vive de excepções só mesmo os idiotas podem continuar a acreditar.
Uma das estratégias que os senhores geralmente usam para sua defesa é criar um inimigo externo — o que coloca mais em perigo a sua soberania ou o seu poder internacional — na maior parte das vezes, o seu vizinho e em muitos casos até é aquele com quem tem mais afinidades. Em caso do país estar em convulsão é sempre importante usar esta estratégia para criar uma unidade e evitar que o povo se revolte contra os seus senhores apesar de viverem em profunda miséria. Por que crêem que o Estado não desmascara a mentira que é a Religião? Porque a religião é importante para resignar o povo à sua sorte e aceitar o que tem, ou seja nada ou muito pouco. É a vontade de Deus, dizem eles. Que maneira mais fácil para levar à resignação dos oprimidos do que lhes dizer que todo o drama que vivem não é culpa dos seus senhores mas sim do Divino, algo tão forte que ninguém pode vencer? O conluio entre estes dois opressores é o que mantém o povo preso na sua infelicidade e impede-o de se revoltar. 
Reparem no caso português: o seu “inimigo mortal” era Espanha e conseguiu pôr um povo todo a sentir um ódio de morte a este estado. Espanha à qual pertencemos civilizacionalmente, geograficamente, etnicamente, culturalmente,  mas que os donos de Portugal por razões egoístas ou por interesses próprios, se preferirem, conseguiram construir uma narrativa de isolamento e são bem sucedidos pois poucos fazem ideia da nossa umbilicalidade com Espanha. Imaginem o terror que seria para este nosso povo pertencer a uma unidade ibérica: melhores salários, melhor justiça, melhor sistema de saúde, melhor desporto, produtos mais baratos, mais cultura, mais educação etc. Mas como aprendemos a amar a pátria tal como amamos a Deus, é algo que não nos pode passar pela cabeça porque é pecado/traição. Vêem a patranha? Vêem o interesse por detrás?
Pode algo ser mais estúpido do que um homem ter o direito de me matar porque ele vive do outro lado do rio e o seu senhor ter um litígio com o meu, embora eu não tenha nenhum com este homem? - Blaise Pascal
A questão é: devemos amar algo que nos oprime, que não nos proporciona condições de vida para termos uma vida digna, que apenas nos pede sacrifícios e apenas nos proporciona pouco mais que miséria? O patriotismo impõe-nos esse amor, assim como a fé nos impõe um amor cego à irracionalidade dos Deuses. Ganha o povo algo, na maioria dos casos, com a guerra ou será que quem ganha são os seus senhores?  Já pensaram que se tivessem nascido no Paquistão seriam orgulhosos paquistaneses e acérrimos defensores do Islão? Está na altura de nos libertarmos destas amarras que nos foram impostas desde que nascemos, que nos impede de pensar por nós mesmos e sermos verdadeiramente livres. A razão do Estado existir é servir o povo e não servir-se do povo diz-nos a teoria, mas na prática verifica-se o contrário.
E a bandeira que jurares
servirá para ti? servirá alguém?

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