sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Protesto


O Ensayo de Un Crimen apoia o protesto: 

Manifesto

Nós, desempregados, “quinhentoseuristas” e outros mal remunerados, escravos disfarçados, subcontratados, contratados a prazo, falsos trabalhadores independentes, trabalhadores intermitentes, estagiários, bolseiros, trabalhadores-estudantes, estudantes, mães, pais e filhos de Portugal.

Nós, que até agora compactuámos com esta condição, estamos aqui, hoje, para dar o nosso contributo no sentido de desencadear uma mudança qualitativa do país. Estamos aqui, hoje, porque não podemos continuar a aceitar a situação precária para a qual fomos arrastados. Estamos aqui, hoje, porque nos esforçamos diariamente para merecer um futuro digno, com estabilidade e segurança em todas as áreas da nossa vida.

Protestamos para que todos os responsáveis pela nossa actual situação de incerteza - políticos, empregadores e nós mesmos – actuem em conjunto para uma alteração rápida desta realidade, que se tornou insustentável.

Caso contrário:

a) Defrauda-se o presente, por não termos a oportunidade de concretizar o nosso potencial, bloqueando a melhoria das condições económicas e sociais do país. Desperdiçam-se as aspirações de toda uma geração, que não pode prosperar.

b) Insulta-se o passado, porque as gerações anteriores trabalharam pelo nosso acesso à educação, pela nossa segurança, pelos nossos direitos laborais e pela nossa liberdade. Desperdiçam-se décadas de esforço, investimento e dedicação.

c) Hipoteca-se o futuro, que se vislumbra sem educação de qualidade para todos e sem reformas justas para aqueles que trabalham toda a vida. Desperdiçam-se os recursos e competências que poderiam levar o país ao sucesso económico.

Somos a geração com o maior nível de formação na história do país. Por isso, não nos deixamos abater pelo cansaço, nem pela frustração, nem pela falta de perspectivas. Acreditamos que temos os recursos e as ferramentas para dar um futuro melhor a nós mesmos e a Portugal.

Não protestamos contra as outras gerações. Apenas não estamos, nem queremos estar à espera que os problemas se resolvam. Protestamos por uma solução e queremos ser parte dela.



Protesto da Geração à Rasca


É lamentável a passividade com que a sociedade portuguesa reage à precariedade, à degradação, à queda do nível de vida do outro. Em vez de apoiarem as lutas contra as más condições da generalidade do povo, de pessoas iguais a si próprias, são capazes de se voltarem contra outros trabalhadores precários que vivem nas mesmas condições que eles próprios, tomando posições, imaginem, dos patrões, que tudo fazem para nunca melhorar as condições dos seus empregados, pois melhores condições para estes significa menos lucros. Para muitos, tristes idiotas, fica sempre bem assumir a posição do "Sr.Dr." em vez de estar ao lado de pessoas com poucas qualificações, para tentarem assumir um estatuto superior aos da sua classe. Outros assistem impávidos, do alto do seu bem-estar, à desgraça dos outros, alguns com medo que a subida social dos novos represente uma ameaça ao seu estatuto, outros simplesmente não querem que tenham mais sucesso do que a mediocridade que obtiveram para si. 


A sociedade portuguesa, devido à sua pobreza intrínseca, e a uma disparidade ridícula entre ricos e pobres, provoca uma inveja colectiva que enoja qualquer pessoa que não pense apenas em si próprio. O ódio que destilam em relação ao outro, que eventualmente poderia ganhar um pouco mais do que eles próprios, é o paradigma da sociedade triste em que vivemos. O maior inimigo do pobre acaba por não ser o rico, mas sim o outro pobre, que não aceita ver o outro um pouco melhor do que ele próprio e é aí que tem que se mudar a mentalidade pois enquanto todos os pobres não estiverem unidos e lutarem uns pelos outros, os ricos vão sempre gozar e abusar de todos. Dividir e conquistar é a melhor estratégia de quem detém o poder e eles vão tentá-lo sempre, comprar uns poucos e corromper o todo.  

Qualquer manifestação que vise uma melhoria das condições de vida de qualquer classe ou grupo precário deveria ter sempre o apoio da generalidade da sociedade e evidentemente tem o apoio deste que vos escreve. Não voltes as costas a quem é como tu, um trabalhador precário, um explorado, um desempregado, um remediado, e comparece nesta manifestação ou pelo menos expressa a tua simpatia pelo protesto. Juntos podemos fazer a diferença!


12 de Março, 15:00h - Lisboa (Avenida da República), Porto (Praça da Batalha)

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

As Libertárias



“Libertárias” é um filme sobre a Guerra Civil Espanhola de 1996 e realizado por Vicente Aranda. Esta película retrata, em particular, um grupo de mulheres, da Espanha republicana e anarquista, que buscava direitos iguais para o sexo feminino e para isso estavam dispostas a morrer ao lado dos homens, na luta contra as tropas reaccionárias de Franco da sociedade tradicionalista. Desde o recrutamento de prostitutas, que viviam exploradas pela burguesia e membros do clero, até à adopção de uma monja que encontrou a sua libertação no seio deste grupo libertário e neste ambiente revolucionário. 
A Guerra Civil Espanhola é de facto um período muito interessante e que todos deviam ler e estudar profundamente sobre o assunto, mas sendo esta uma guerra tão importante para o povo, praticamente não se fala sobre o assunto e percebe-se porquê.
A Espanha em 1930 vivia ainda dominada pela Igreja, pelo poder Real e por uns quantos privilegiados - hidalgos - que detinham a maior parte das terras enquanto que o povo vivia em grandes dificuldades e miséria. A República e a sua Constituição para além de terminar com o poder real, colocou os outros dois poderes em xeque e naturalmente era apenas uma questão de tempo até os poderes de sempre tentarem reaver o seu poder e a reacção não demorou. A Constituição providenciou enormes direitos sociais ao povo, como por exemplo o casamento civil, sufrágio feminino, divórcio, direito ao aborto, e até membros de sindicatos anarquistas foram chamados a fazer parte do Governo.
A Republica democrática abrigava várias forças políticas diferentes:comunistas, republicanos, socialistas e naturalmente havia divergências entre estes mas estes foram mais tarde obrigados a coligar-se - A Frente Popular - face aos partidos reaccionários que surgiam, como os partidos católicos ultra conservadores. Os anarquistas, que tradicionalmente não votavam, mostraram de alguma forma simpatia pela Frente Popular e permitiram a vitória fundamental dos partidos revolucionários nas Eleições Gerais de Espanha de 1936. 
Em Barcelona o povo estava empenhado em lutar contra os seus opressores, organizado em colectividades, e provou que podia subsistir em melhores condições sem o estado: a produção aumentou, passaram a viver com melhores condições de vida, todos se tratavam de igual para igual e terminou o espírito subserviente - tratavam-se por tu e companheiro - e até, com mais rendimentos, lograram construir hospitais e escolas, com uma educação livre e libertária como nunca tinha acontecido até então. A educação tinha um papel chave na nova sociedade que queriam implantar e até os sindicatos eram casas de cultura aonde se lia, recitava, escrevia, debatia etc.
Neste período é de realçar o enorme sucesso que as imensas publicações anarquistas tinham na sociedade, o que demonstra o enorme interesse que a população tinha na desmitificação dos velhos dogmas da antiga sociedade dominada pelos velhos poderes: o papel da mulher; Deus; o Estado etc.
Espanha nos anos 30, estava na vanguarda dos direitos sociais e da libertação do povo, e os velhos poderes não o podiam permitir, pelo menos, sem contra-atacar . Hitler, Musoulini, apressaram-se a apoiar os velhos e ainda poderosos poderes de vários séculos de Espanha, e Portugal também fez tudo o que pôde para que esses ideais revolucionários nunca cá chegassem. Aqui apressaram-se a denegrir a imagem dos republicanos e enviaram perto de 20 mil homens para lutar contra a “ameaça do comunismo”.
O povo esclarecido esteve ao lado dos Republicanos, e os servos, fieis do poder de sempre, lutaram pela sua escravidão e a restauração do poder dos seus amos. Uma guerra pela qual, de facto, valeria a pena o povo ter lutado até à morte, pois era uma luta pela libertação, pelo fim dos Deuses e dos senhores, e na verdade pessoas de diversos países alistaram-se para lutar contra os fascistas.
Acreditarmos que a igreja ou os burgueses irão entregar o poder sem guerra, não passa de uma ilusão, e estes propalam esta ideia apenas porque detêm o poder, pois sem a força não há maneira de os destituirmos - toda a capacidade de influenciar está nas mãos da igreja, burgueses e estado. Assim que os nacionalistas recuperaram o poder, perseguiram e massacraram todos os que tivessem um ideal revolucionário e é assim, também, que persistem durante todos este tempo infindável - eliminam todos os que podem elucidar e que são persuasivos, quando têm poder para tal, e quando não têm capacidade para eliminar as ameaças, estas são apelidadas de “actos terroristas”. Espanha, com Franco, regrediu outra vez à idade das trevas e manteve-se, juntamente com o Portugal, de Salazar, completamente anacrónica numa Europa democrática, para grande infelicidade dos povos ibéricos que ainda hoje pagam um preço terrível pelo seu atraso. 
Por fim, aos lutadores republicanos, aos idealistas anárquicos, mostrar todo o nosso apreço é pouco, porque estes de facto lutaram pela liberdade, pela sua e a de todos e resta-nos esperar e fazer votos para que da próxima vez não falhemos o sonho. A luta continua!

sábado, 12 de fevereiro de 2011

A Moção de Censura



Alguém entende o Bloco de Esquerda com esta moção de censura? Um dia, Francisco Louçã, afirma que é uma inutilidade prática (a possibilidade do PCP apresentar uma moção de censura) e uns dias depois apresenta uma, para espanto de toda a gente. Afirmava Louçã, que não ajudaria em circunstância alguma a tomada do poder pela direita, mas com esta moção a sua intenção traduzir-se-ia nesse resultado que afirmava, convictamente, não querer proporcionar. Então se houver eleições agora não é mais do que provável que a direita ganhe? Todas as sondagens evidenciam essa tendência.

É obviamente uma jogada táctica baseada na (quase) certeza do PSD a chumbar e inevitavelmente ficarem também colados ao estado de decadência que se vive. É a única lógica possível: tirar o protagonismo ao PCP, que se ia antecipando, e forçar o PSD a segurar o Governo.

É uma jogada arriscada, e cai mal mesmo no seio do próprio BE, e ainda mais nos seus eleitores, que não esperavam este tacticismo por parte de um partido que até aqui se norteava por valores e por um "saber estar" à parte de todos os outros. Com esta movimentação apressada, desajustada, desapropriada, vai fazer muita gente ver, lamentavelmente, o BE como um partido igual aos outros e com isso perder alguma da sua aura que dispunha até este momento.

*O António Costa, quinta-feira, no Quadratura do Círculo, foi absolutamente desprezível nos ataques lançados ao BE chegando ao ponto de dizer que este partido não representava nada nem ninguém. Para além de desrespeitar o partido e os seus dirigentes, algo que não é nada extraordinário na política portuguesa, nem me choca particularmente, mas é mais difícil de aceitar a intolerância e o desrespeito pelos quase 600 mil portugueses que votaram neste partido, um partido que tem vindo a crescer em todas as eleições. Foi um lindo momento de televisão, aqueles três representantes do poder instituído a deliciarem-se com o que o outro dizia para ridicularizar, achincalhar, abandalhar o BE. Poucas foram as vezes em que os três se riram felizes e concordantes com o que o outro dizia - um dizia mata o outro esfola, um deleite para o telespectador. O mais extraordinário foi ter que ser o Lobo Xavier a mostrar algum senso e afirmar que na verdade o BE tinha alguma expressão no seio das cidades e de grupos universitários. Incrível!
É igualmente triste vermos programas de televisão democráticos em que a esquerda não tem qualquer voz, e isso também quer dizer muito do país em que vivemos e da nossa democracia - há liberdade mas até onde nos deixam.

Mantenho a minha simpatia pelo BE, mas desagradou-me esta manobra que até o Daniel Oliveira classificou de infantil...

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

E Portugal é… Espanha!


SOMOS HISPANOS E PORTUGUESES - André de Resende



E Portugal é… Espanha!


"Houve tempo em que a velha catedral conimbricense, hoje abandonada de seus bispos, era formosa; houve tempo em que essas pedras, ora tisnadas pelos anos, eram ainda pálidas, como as margens areentas do Mondego. [...]Mas, quer filha dos valentes do Norte, quer dos pugnacíssimos sarracenos, ela era formosa, na sua singela grandeza, entre as outras sés das Espanhas. Aí sucedeu o que ora ouvireis contar."
                                                                     Alexandre Herculano in Bispo Negro



“A história é criada pelos governantes e é ensinada aos ignorantes. Há uma manipulação constante em todas os lugares e em todos os momentos, ainda na actualidade. Os jovens estudam o que a cada momento a classe governante quer que estudem.” — Yayoi Kawamura [professora de história da arte]

Pois é, meus amigos, a verdade acima de tudo doa a quem doer, pois por muito que custe a muita gente a realidade é que fomos e somos enganados todo este tempo com mentiras, meias verdades e mitos; como aquele de que somos de uma “raça” diferente dos "espanhóis", os descendentes de uma valente tribo absolutamente extraordinária — os lusitanos — que nada têm que ver com as demais. A mentira de que somos um estado/nação singular, com língua própria, raça única e que, pela vontade de Deus, nos deu um desígnio próprio para a nossa existência particular. Infelizmente, ainda hoje, tudo isto prevalece na cabeça de muita gente; mas será que isso é mesmo assim, que isto tem algum fundamento científico, real, concreto, lógico? Não, é tudo uma grande mentira e eu vou explicar, sucintamente, porquê.

Basta começar por olhar para a nossa península e ver que é um conjunto geográfico que funciona como um todo: os rios, as montanhas – não há qualquer divisão racional como aquela que se faz entre Portugal e Espanha e logo, está fácil de ver, nada mais é do que uma divisão estritamente política, e portanto artificial, feita num contexto de conquista sem olhar a nada mais que a extensão dos domínios territoriais dos senhores da guerra. A única divisão geográfica com (algum) sentido é os Pirenéus, que funcionam como uma fronteira natural entre civilizações distintas formadas no contexto do império romano e invasões posteriores.

Geografia Hispânica

Mas indo à história da nossa península e aos povos que a compunham, podemos começar pelo povo que deu origem ao primeiro nome dado à nossa península - os Iberos. Estes eram povos que habitavam a área mediterrânea da península – a actual Catalunha, Comunidade Valenciana, Múrcia e uma pequena parte da Andaluzia. Ou seja, estes iberos nunca habitaram o território a que agora chamamos de Portugal. Este nome foi dado pelos gregos que faziam trocas comerciais com este povo do sul do Mediterrâneo e deriva do rio Ebro. Aqui começa a primeira mentira – intencional ou não – para nos desviar da verdade. Dar um nome para toda a península a um povo que apenas habitava uma pequena parte deste território geográfico, em vez de Península Hispânica, que representa todo este povo, é, no mínimo, muito redutor.

O norte ibérico celta que mais tarde iria influenciar os povos do centro da península

A norte, a península tinha sido invadida por povos de cultura Celta, como os Astures, Callaici, Cantabri etc., e ainda hoje a sua influência é sentida nas tradições destas populações setentrionais, em contraste com as meridionais de outras culturas. Existiam também alguns povos [possivelmente] pré-celtas no centro da península, como os Lusitanos, que habitavam as altas montanhas da Beira Alta e da "Extremadura" espanhola e que, por curiosidade de bastante relevância, estavam de costas voltadas ao mar. Os Lusitanos e o mar não tinham qualquer relação, eram um povo que se dedicava à pastorícia. Para a "nação" portuguesa que, nos dizem, está tão intimamente ligada ao mar, relacionar-nos com estes pastores que preferiam as montanhas é, sem dúvida, um bonito acto de fé.

Algumas das regiões portuguesas diferem mais entre si do que comparativamente com as regiões espanholas a que directamente se ligam. Assim, por exemplo, o Algarve difere mais do Minho do que o Minho da Galiza, tendo por outro lado mais relações de semelhante com a Andaluzia do que qualquer outra terra portuguesa. Armando Girão, Geografia Física de Portugal.

Grupos linguísticos por volta de 300 A.C.

Outro mapa linguístico que evidencia diferenças claras entre o norte e o sul

Como se pode ver pelos mapas apresentados, as tribos, etnias, linguagens, em nada correspondem com o mapa político que hoje temos na nossa península. À ausência de justificação geográfica para a actual divisão junta-se-lhe a ausência de justificações étnicas, linguísticas, históricas e qualquer base científica.
De Élisée Reclus (1876) a Orlando Ribeiro (1977), passando por Barros Gomes (1878) e Oliveira Martins (1879), foi-se progressivamente firmando a convicção de que não havia nenhuma identidade geográfica de base física. Com efeito, apesar de algumas tentativas de sentido contrário, há muito que os geógrafos estão de acordo em afirmar que a individualidade natural do território português, como um conjunto definido face à Espanha! pelas suas fronteiras políticas, é praticamente insignificante. A maioria das unidades de relevo é atravessada como que ao acaso, pela fronteira, e prolonga-se para além dela. A maior parte da raia, «seca» ou fluvial, divide paisagens pouco acidentadas e semelhantes de ambos os seus lados. Quanto ao clima, os lugares onde se verifica uma mutação nítida, devido à presença de barreiras montanhosas, não coincidem nunca com a fronteira. Por isso, a maior parte dos autores concluíram que Portugal não se distingue do resto da Península Ibérica por nenhum elemento diferenciador de carácter natural. O País foi uma construção dos homens, e não da Natureza. O problema da nossa individualidade geográfica está hoje, portanto, esgotado. O debate que suscitou teve como resultado mais positivo a determinação das condições naturais, não do conjunto do território português, mas da sua divisão regional, ou seja das diferenças que o repartem. Acentuou a sua falta de unidade. Como mostrou Orlando Ribeiro em 1945, podem-se distinguir três grandes áreas naturais em Portugal: o Norte Atlântico, o Norte Trasmontano e o Sul; mas todas elas se prolongam pelas regiões espanholas que as limitam. —  José Mattoso

Mas a história não acaba aqui, nesta altura disputava-se o domínio do mundo conhecido, e em especial do Mediterrâneo, entre as duas potências do momento – Roma e Cartago. Cartago, com intuito de conquistar Roma, invade o sul da península e recruta nativos para as batalhas que se seguem. Roma riposta, ganha a guerra e procede à conquista de toda a península. A esta península dá-lhe o nome de Hispânia e todos os seus habitantes, sem excepção, são denominados de hispanos ou hispânicos. Vamos enfatizar este ponto: um habitante de Brácara Augusta (Braga), de Olissipo (Lisboa) ou de Cale (Gaia) era um hispano igual a um habitante de Emerita Augusta (Mérida), de Lucus Augusti (Lugo) ou Barcino (Barcelona). Portanto, um português pode-se afirmar hispano que não está a incorrer em qualquer erro, tal como um escocês, inglês ou galês se declara britânico. Estes são britânicos não porque pertencem ao Reino Unido mas sim porque vivem na Ilha da Bretanha tal como nós todos, portugueses, castelhanos, catalães etc., habitamos a península hispânica.

Os Romanos acabavam de unir estes povos hispanos, distintos entre si, principalmente entre o Norte e o Sul, sob o domínio de um Imperador construindo assim politicamente a nação hispana.

Províncias Romanas de Hispânia decretadas por Diocleciano

Procederam posteriormente a subdivisões, que uma vez mais não combinam de forma alguma com as actuais fronteiras portuguesas: Lusitânia, a Sul do Douro, com capital em Mérida (Espanha) e a Norte do Douro, a Galécia que, como o nome indica, englobava a Galiza, mas também as Astúrias e Leão, com capital em Braga (Bracara Augusta).


A Gallaecia Romana

O império desvaneceu e a península foi novamente invadida, desta vez por vários povos germânicos dos quais se destacam os Suevos e posteriormente os Visigodos.
Os Suevos fundaram um reino que tinha como capital a antiga capital da Galécia – Braga. Essencialmente, o Nordeste Ibérico celta, a norte do Rio Tejo, mas estes foram rapidamente pressionados e conquistados pelos Visigodos, que acabariam por dominar toda a península hispânica.


O Reino Suevo nos séculos V e VI


Os Visigodos voltam a unificar a Hispânia em 585

Novamente, os hispânicos (já romanizados), voltaram a estar unidos politicamente agora sob o domínio Visigótico. Importante referir que os hispanos falavam, agora, Latim e tinham sido cristianizados durante a Era Romana. Os Visigodos, eram uma tribo federada do Império Romano e já estavam familiarizados com a sua linguagem e eram também Cristãos, não católicos mas arianos, pois tinham estado durante bastante tempo sob a influência do Império Romano do Oriente. A uma religião diferente alguns povos hispanos responderam com revoltas e os Visigodos rapidamente perceberam que a sua conversão seria a melhor solução para dominar o povo hispânico. Houve algumas revoltas igualmente por parte dos bispos arianos, mas estas seriam rapidamente esmagadas. Toda a península estava novamente unida sob um único poder político e a mesma religião. Igualmente importante é o “Código Gótico”, que era uma compilação de leis do povo conquistador a aplicar a todos por igual. Inicialmente havia leis para os “romani”, denominação dada aos nativos, e para os “góticos”, os descendentes da nobreza que detinham o poder. De agora em diante, à luz deste código, eram todos hispânicos sem excepção. Claro que sempre uns eram mais hispanos que outros, se é que me entendem... E de que maneira!

Em 711 a península seria novamente invadida, desta vez por um povo não europeu — “os mouros”. Conquistam praticamente toda a península, com a excepção das Astúrias, no norte, onde se montou uma resistência visigótica e de onde partiria a reconquista e posteriormente novas divisões do povo hispano.

Em 722, a Hispânia estava já quase toda tomada pelos mouros

E é aqui, na reconquista, que o povo hispânico se vai dividir em reinos e condados e que vai surgir Portugal. No Noroeste de península houve uma resistência visigótica e no nordeste, junto aos Pirenéus, houve uma resistência Franca pois os mouros também haviam tentado penetrar no território deste outro povo conquistador germânico. Neste lado, no noroeste, surgiu o Reino das Astúrias, que iria mais tarde dar lugar ao Reino de Leão. Afonso III, primeiro rei de Leão, envia Vímara Perez, um conde galego, para tomar parte da antiga Galécia — a região entre o Douro e o Minho — e igualmente povoá-la pois era uma região de constantes conflitos e por conseguinte pouco ou nada povoada. Este nobre galego é muito esquecido na historiografia nacional e são óbvias as razões: quis-se apagar ou pelo menos diminuir tudo o que foi feito antes do fundador da "nação". Este nobre fundou também a primeira capital do futuro reino – Vimaranes (terra de Vímara) que mais tarde, com a "evolução", nada natural, da língua galega e com o passar do tempo se denominaria em português Guimarães. Estabeleceu com esta conquista uma dinastia que dominou estas terras (e os nativos) que ficaram conhecidas como Condado de Portucale.

Estátua de Vimara Pérez na cidade do Porto


"De facto, os portucalenses nunca foram propriamente um povo, uma nação, ou etnia, mas apenas os súbditos, ou vassalos, de quem governava Portucale. Primeiro eram só os que viviam a norte do Douro e entre o Douro e o Vouga; depois, enquanto vassalos dos descendentes do conde D. Henrique, foram portucalenses, além desses, também os que habitavam até ao Mondego; a seguir, desde Afonso Henriques, juntaram-se-lhes os que eram naturais do território entre o Mondego e o Tejo; e finalmente, desde o tempo de Afonso II, foram também seus subordinados os que residiam entre o Tejo e a costa algarvia. Os vínculos étnicos entre estes diversos povos eram ténues ou inexistentes. Portugal não teve origem, portanto, numa formação étnica, mas numa realidade político-administrativa." 
Reforçar esta ideia: os portugueses são apenas um nome dado pelos conquistadores às pessoas que pertenciam às terras reconquistadas. Ser português significa ser escravo/servo destes senhores germânicos do norte da península que acabavam de reconquistar os territórios que outrora tinham sido dos seus antepassados. Antes desta reconquista não havia portugueses nem ninguém, obviamente, tinha consciência de isso. Há sim uma luta entre os germânicos (a elite) por terras, em que os nativos fazem parte das suas conquistas e nunca uma luta de libertação de um suposto povo, ou nação portuguesa, do jugo de Espanha/Castela. Há um conde de Portucale, um Rei de Portugal e por arrasto os nativos são apelidados de portugueses que apenas significa ser vassalo destes senhores. Nada mais! Um português é um servo a não ser que fizesse parte da nobreza. Obviamente que o que vale para um português serve para os castelhanos, aragoneses etc.

A população, escassa nestas zonas fustigadas pelas guerra, vinha do norte da península, essencialmente da parte mais ocidental e falava um dialecto ligeiramente diferente do Latim Vulgar de outras partes de Hispânia –  o Galego. Entendem o que isto significa? Grande parte dos "portugueses" veio do norte da península e se alguém se atrevesse a dizer que o rio Minho separava alguma coisa esta é a prova de que nada nos separava senão a política de uma casta opressora.

Esta língua galega, apesar de tudo, faz parte das línguas ibéricas ocidentais, juntamente com o Castelhano e Asturo-Leonense e estão mais próximas umas das outras do que, por exemplo, o Catalão que faz parte do grupo de línguas ibéricas orientais. Até há uns poucos séculos atrás, a parte ocidental, central e sul da Espanha faziam parte de um "continuum dialectal".

Evolução das línguas ibéricas


O Reino de Leão estendeu o seu domínio até ao Tejo — ainda que tenha sido um domínio efémero —  mas as suas fronteiras mais estáveis foram estabelecidas nas margens do Mondego. Fernando de Leão iria conquistar definitivamente Lamego (1057), Viseu (1058) e Coimbra (1064)
O Reino de Leão em 1037

Em 1066, este reino de Leão, é dividido em três partes a serem distribuídas pelos três filhos de Fernando de Leão: Reino de Castela, Leão e Galiza. Em 1072 Afonso VI de Leão era já senhor dos outros dois reinos. Ponto a reter: estas divisões não têm nada que ver com etnias ou nações, mas sim com partilhas: O pai distribui a sua riqueza acumulada pelos seus descendentes e os que outrora eram hispanos passaram a ser também galegos, leoneses, castelhanos, portugueses. Tão simples quanto isto!


A divisão do Reino de Leão após a morte de Fernando I


Em 1087, chega ao Reino de Leão um conde borgonhês (Henrique) que oferece os seus serviços ao rei na luta contra os mouros. Pelos bons serviços prestados, Afonso VI, casa a sua filha ilegítima, Teresa de Leão, com este nobre e oferece-lhe o Condado Portucalense. Este condado era uma versão maior do Condado Portucale e incluía já terras ao Sul do Douro que nesta altura iam até ao Tejo, embora, os mouros, reforçados, tenham logrado reconquistar esses territórios até ao Mondego e o condado estabeleceu as suas fronteiras mais ou menos nestas margens. Este condado, não nos devemos olvidar, era parte integrante do Reino da Galiza que por sua vez estava na posse de Afonso VI de Leão.

Ao Condado Portucale juntou-se-lhe o Condado de Coimbra e denominou-se Condado Portucalense

O Conde Henrique apesar de lhe ter sido entregue o poder, apercebeu-se que não era fácil exercer a sua autoridade sem o apoio da igreja e dos nobres portucalenses e concedeu-lhes extraordinários privilégios — um acto importante pois de futuro nenhuma destas classes locais vai querer perder os altos privilégios que dispunham neste condado. Com a morte do conde é a sua esposa, Dª Teresa de Leão, que assume o poder, mas é logo pressionada por uma facção para reunificar o Reino Galego e por outra para manter a sua autonomia em relação ao Império. 

Ser português começou por ser o mesmo que vassalo do rei de Portugal, e não por se pertencer a um determinado povo. — José Mattoso

A construção do Reino de Portugal faz-se por uma conjunção de interesses da nobreza e do clero e nada mais, senão vejamos: 

A cena política galega era dominada pelo Arcebispo de Santiago de Compostela, Diego Gelmírez e pelo conde Pedro Froilaz, senhor de Trava, e ambos pretendiam a reunificação do reino: o Arcebispo porque ambicionava apoderar-se dos direitos 
metropolíticos de Braga e, com eles, obviamente, do poder temporal que representavam mais todos os benefícios e privilégios inerentes. Não devemos esquecer que a diocese de Braga era uma das mais poderosa da península e o Arcebispo ainda hoje ostenta o título de “Primaz das Espanhas”; o Conde, pertencente à alta nobreza galega, queria reunir o reino sob o domínio de Afonso Raimundes (Afonso VII) e restabelecer a supremacia sobre os nobres portucalenses.

Não está difícil de imaginar a resistência que a nobreza entre Douro e Minho dedicou a este plano vindo do norte, assim como o Clero. Do casamento de Henrique e Teresa de Leão, nasceu Afonso Henriques, neto de Afonso VI de Leão. Teresa de Leão, apesar de ao início enveredar por uma política de autonomia, acabou por ser seduzida pelos Trava e os interesses portucalenses voltaram-se para o seu filho como última esperança para não perderem os seus privilégios.

Afonso VII, primo de Afonso Henriques, declara-se imperador de toda a Hispânia, a quem todos os reinos e condados deviam obediência e, segundo várias fontes, esta situação não molestava mesmo nada a Afonso Henriques. Molestava sim, e muito, que os galegos terminassem com o domínio que ele detinha nas terras doadas ao seu pai e, por isso, apoiou os interesses da nobreza e clero portucalense. A soberania deste território portucalense estava dividida assim: pela mãe, a Sul do Douro; e filho, a norte do Douro. E é neste contexto que se dá a Batalha de São Mamede e se decide o futuro deste condado. 

E agora mais uma revelação: o início da independência de Portugal deve-se a não mais que 600 pessoas, que apoiavam o jovem Henrique e este apenas ostentava o pequeno título de infantis (que pertence à família real). Os apoiantes de um reino galego unificado, liderados por Fernão Peres de Trava, dispunham de uma força de 300 homens: fidalgos galegos, leoneses e alguns portugueses fiéis a Dª Teresa. Desta batalha não há muitas certezas, apenas que as hostes pró-união perderam — ou porque fugiram devido à inferioridade numérica, ou porque simplesmente perderam um torneio realizado, como era costume na época para se resolveram disputas entre os reinos cristãos de modo a não saírem enfraquecidos para a luta contra os mouros. Não houve grande batalha, houve sim muita política. Ao contrário do que escuta por aí, não há qualquer registo de que Teresa, mãe de Henrique, tenha estado sequer presente.

Assim que Afonso Henriques ganhou este diferendo e foi aclamado rei pelos seus – apesar de só usar o título de infantis ou princeps – decidiu, logo depois, firmar um acordo de paz e protecção com o seu primo Afonso VII. Este seria cada vez mais o imperador de Hispânia e Afonso, rei de Portucale, sob o império daquele. O primo leonês tampouco se molestou que Afonso fosse rei uma vez que ele era o imperador.

Mas é em 1139, com a Batalha de Ourique, que começa definitivamente a construção política de Portugal.
Segundo a lenda, que surgiu muito mais tarde, Cristo teria aparecido a D. Afonso Henriques e anunciado a vitória portuguesa. Assim, essa vitória, contra os mouros, foi considerada como um verdadeiro milagre pois sem a ajuda divina jamais teriam conseguido vencer devido à grande inferioridade numérica. É uma história mítica que se repete ao longo da história para justificar uma elite intocável que domina todos os outros. É a vontade de Deus...
Não é certamente por acaso que se trata da primeira expressão de um mito que procura fazer crer na indefectível protecção divina ao rei de Portugal, e, implicitamente, através dele, aos seus descendentes e aos seus súbditos. Trata-se da primeira expressão de uma crença acerca da sacralidade que envolve os reis de Portugal e que por eles beneficia os seus vassalos. — Oliveira Martins

A partir desta intervenção divina, construiu-se um imaginário de que este povo foi escolhido por Deus e com uma missão a cumprir além de incutir o benefício de uma sociedade de classes. De mito em mito, construiu-se uma unidade muito forte apesar de entre a nobreza portuguesa, que não era tão influenciada pela igreja, ter sempre havido quem tomasse partido de uma união com Leão - Castela. A independência relativa, que como vimos apenas significava a criação de um reino dependente do imperador Hispânico, confirma-se pelos muitos casamentos reais portugueses com damas de outros reinos hispânicos e ajudas em batalhas e cercos, do lado castelhano ao lado português mas também do lado português ao castelhano.

Este novo reino é uma construção política que retalha a Galiza, composta de população Cristã com uma língua própria (galego) e que viria a ser adoptada pelo Reino Português e, também, outro retalho de Leão, e ainda outro da Hispânia sarracena de população moçárabe.

A propósito da construção política portuguesa, vou deixar aqui algumas citações. Da teoria humanista, de origem no século XVI, e que infelizmente ainda vigora na cabeça de muita gente, sobre a relação dos portugueses com os lusitanos, Alexandre Herculano escreve:

“Temos examinado as relações que se poderiam dar entre nós e aquela porção de tribos célticas denominadas os Lusitanos. – Qual é o resultado de tudo o que fica dito? – Que é impossível ir entroncar com elas a nossa história ou delas descer logicamente a esta. Tudo falta; a conveniência de limites territoriais, a identidade da raça, a filiação da língua, para estabelecermos uma transição natural entre estes povos bárbaros e nós. Se o haverem estanciado em uma parte do nosso território nos desse o bem pouco precioso direito de os considerar como antepassados, esse direito pertenceria igualmente à Estremadura espanhola, e, até à Andaluzia. Portugal, nascido no século XII em um ângulo da Galiza, constituído sem atenção às divisões políticas anteriores, dilatando-se pelo território do Gharb sarraceno… é uma nação inteiramente moderna”


Igualmente, Oliveira Martins afirma:
“Se a unidade da raça primitiva se não vê, menos ainda Portugal obedece na sua formação às ordens da geografia: os barões audazes, ávidos e turbulentos, são ao mesmo tempo ignorantes de teorias e sistemas. Vão até onde vai a ponta da sua espada: tudo lhes convém, tudo lhes serve, contando que alarguem o seu domínio.”

Amorim Girão corrobora:
“O desmembramento de Leão do Condado Portucalense (1097), constituído pelas terras ao sul do rio Minho, é um acontecimento que os acasos da história e a ambição pessoal de um príncipe, aliás estrangeiro, explicam melhor do que a adversidade de condições geográficas ou étnicas do território por onde se estendia o referido condado, pois, mais do que uma nacionalidade, havia, talvez, então, neste recanto da ibéria, nacionalidades diversas mas confusas, a que só mais tarde os laços políticos viriam a dar consistência e linhas bem definidas.”

E finalmente José Mattoso: 
"De facto, os portucalenses nunca foram propriamente um povo ou uma etnia, mas os súbditos de quem governava Portucale enquanto dependentes dos condes que sucederam a Vímara Peres, eram só os que viviam a norte do Douro e entre o Douro e o Vouga; depois, enquanto vassalos dos descendentes do conde D. Henrique, foram, além desses, também os que habitavam até ao Mondego; a seguir, enquanto sujeitos aos reis seguintes, desde Afonso Henriques, juntaram-se a eles os que eram naturais do território entre o Mondego e o Tejo; e finalmente, desde o tempo de Afonso II, foram também seus subordinados os que residiam entre o Tejo e a costa algarvia. Os vínculos étnicos entre estes diversos povos eram ténues ou inexistentes. Portugal não teve origem, portanto, numa formação étnica, mas numa realidade político-administrativa.
O que fez a sua unidade foi a continuidade de um poder político que dominou o conjunto de uma maneira firme e fortemente centralizada."


José Mattoso sobre as pseudo unidades nacionais:

"Podemos considerar um segundo momento no processo de formação da identidade nacional, aquando das lutas fronteiriças entre os primeiros reis de Portugal e os soberanos de Leão e Castela. No entanto, estas lutas não foram propriamente lutas nacionais, mas antes lutas feudais, nomeadamente relacionadas com o exercício de direitos senhoriais."


Pois é mais do que óbvio que as populações do sul do que agora é Portugal, de etnia, língua e cultura diferente da do norte, não estivessem ansiosas à espera que fossem os barões deste novo reino a vir “libertá-las”. A ideia de que pudessem sentir que faziam parte dessa tal identidade portuguesa só pode ser aceite à luz do anedótico. A estas populações, tanto lhes dava se eram os leoneses, castelhanos, aragoneses ou portugueses a tomarem as suas terras. Segundo o professor José Hermano Saraiva, esta população do sul até preferia estar sob a dependência dos mouros que lhes proporcionava mais liberdade do que dos bárbaros que vinham do norte que os matavam e escravizavam. Há informações que Afonso Henriques, nos primeiros anos, não distinguia o povo moçárabe dos mouros, embora mais tarde tenha percebido o valor económico desta população e lhes poupasse a vida. 
O Estado português, de tendência persistentemente autocrático, sempre procurou ignorar ou ocultar esta divisão (nacional), nomeadamente em tempos mais recentes, mas ela é uma realidade incontornável.
Os restantes habitantes do país não se sentiam envolvidos por tais lutas nem provavelmente as consideravam como suas. Podemos considerar um segundo momento com as lutas fronteiriças entre os primeiros reis portugueses e os soberanos de Leão e Castela, sobretudo nos reinados anteriores a Afonso IV. Não me parece, no entanto, que devamos atribuir a estas confrontações o carácter de lutas nacionais. Tratava-se antes de lutas feudais, determinadas por questões relacionadas com o exercício de direitos senhoriais e que por isso devem ter exercido uma influência restrita sobre a expansão da consciência nacional... —

Dado que também outros reis da Península Ibérica combatem o mesmo inimigo, a condição de portugueses aparece como uma categoria dentro do conceito mais vasto de «cristãos», por oposição aos «inimigos da fé». Os restantes habitantes do país não se sentiam envolvidos por tais lutas nem provavelmente as consideravam como suas. - José Mattoso



Embora, por incomodidade, a historiografia reinante passe apressadamente pela civilização árabe do sul de Portugal, é um facto que cidades como Coimbra, Lisboa, Santarém, Évora, Beja, Alcácer, Mértola, Silves, Faro, foram centros notáveis de civilização árabe peninsular e cenário de relevantes acontecimentos políticos. Era terra de poetas e filósofos e em algumas destas cidades existiram centros literários e de pensamento.
A irmandade das línguas ibéricas no séc. XIII


De salientar também uma importante comunidade de Judeus neste sul que seria conquistado pelo reino de Portugal, em especial Lisboa e Évora. Muitos destes judeus serviriam a corte portuguesa, com óptimos resultados, até lhes ser dada ordem de expulsão do país em 1496.


1248, é uma data importantíssima para percebermos como os monarcas portugueses não quiseram em situação alguma um corte radical com os seus familiares castelhanos, antes pelo contrário, a união sempre esteve em perspectiva, e isso prova-se com a adopção por parte de Afonso III do símbolo castelhano - o castelo - à bandeira portuguesa. Este rei, para além de ter mãe castelhana, era também casado com Beatriz de Castela. 
Os sete castelos são considerados tradicionalmente um símbolo das vitórias portuguesas sobre os inimigos mouros, sob Afonso III, que supostamente teria capturado sete fortalezas inimigas no decurso da sua conquista do Algarve, em 1249. No entanto, isto não passa de uma crença popular (incutida) porque este rei não tinha sete castelos na sua bandeira mas um número não específico. Algumas reconstruções apresentam cerca de dezasseis castelos; este número mudou para nove, em 1385, e foi fixado em sete, em 1485.

A bandeira portuguesa em 1248


1385, no entanto, é um ano decisivo rumo à divisão do estado natural hispânico e desta vez Portugal conta com a ajuda de quem? Dos ingleses, que jogam uma importante cartada: dividir os Hispânicos — um dos povos mais poderosos de toda a Europa — pois seria vital para as suas ambições futuras de hegemonia europeia e mundial. Mas não se pense que havia união total em torno de Mestre de Avis e essa desunião atesta-se, por exemplo, por Pedro Álvares Pereira, irmão mais velho de Nuno Álvares Pereira e Condestável de D. João, Mestre de Avis, ser um dos líderes do outro lado contra os que viriam a iniciar uma nova dinastia. Várias cidades portuguesas tomaram partido de Castela, em particular a Região Norte, entre as quais podemos destacar as cidades de Chaves, Bragança, Braga, Guimarães, Viana do Castelo, Vila Real, Caminha, Mogadouro etc, mas também cidades a sul como Santarém, Leiria, Covilhã, Óbidos, Campo Maior etc.

Não menos importante é a questão religiosa: se até aqui o santo protector dos Cristãos era o mesmo para todos os reinos peninsulares – Santiago, o mata moros – os portugueses, sob influência dos ingleses, adoptam, São Jorge, o santo protector dos ingleses como patrono de Portugal. Apesar disto, os soldados portugueses continuaram a invocar Santiago, como todos os outros irmãos hispânicos, por uma questão de fé. Outro episódio relevante para esta questão hispânica é que apesar desta independência reconhecida pelo Vaticano, Pedro Julião, nascido em Lisboa, nomeado Papa em 1276, é ainda conhecido por Pedro Hispano.

Apesar de Portugal ter adoptado para si a língua do Reino Galego — que era obviamente também sua — ao qual lhe deu o nome de Português, o Castelhano era falado comummente em Portugal. À questão levantada por um utilizador do sítio “Ciberdúvidas da Língua Portuguesa” sobre um navio português com o nome “flor de la mar”, o linguista Carlos Rocha responde:

“A expressão é castelhana e não portuguesa, mas tal não nos deve surpreender, porque sabemos que o castelhano era língua corrente no Portugal do século XVI, a par do português, falando-se até de bilinguismo na corte portuguesa e noutros meios; por exemplo, Gil Vicente escreveu em castelhano, e mais tarde Camões fez o mesmo.”

Sobre a língua usada no nosso reino e o mito da língua portuguesa, Fernando Venâncio diz o seguinte:
E como seria essa língua viva, circulante? [...] Ela havia sido gerada na Galécia Magna, um território que o linguista Joseph Piel desenhou como descendo obliquamente duma longa linha de costa do Mar Cantábrico até ao Vale do Vouga. Por 1200, quando a Galiza e Portugal já encetaram caminhos políticos diferentes, esse idioma encontra-se estendido até ao paralelo de Lisboa. 
Simplesmente, essa língua ‒ ainda sem nome ‒ possui já todas as características acima apontadas. Numa palavra: o sistema está pronto, reconhecível, irredutível. Existem decerto hesitações, formas híbridas, a normalização ainda vem longe. Mas o sistema, esse, produz e funciona com naturalidade. 
Só que um sistema com tal abrangência e tal complexidade pressupõe, não anos, não decénios, mas séculos de desenvolvimento. Isto significa que, muito antes de Portugal (ou o seu núcleo inicial, o Condado Portucalense) existir, já o essencial deste nosso idioma era forma de comunicação ‒ mais uma vez, reconhecível, irredutível ‒ na Galécia, uma comunidade económica, cultural e até demograficamente importante. Certo: a cidade de Braga teve um papel de relevo na Galécia, como capital do Reino Suevo e centro cultural de primeira ordem. Só que, de Portugal, nem a mínima ideia existia por então. 
A conclusão só pode ser esta: ainda que nunca houvesse surgido um Portugal, o fundamental deste idioma, o seu sistema, teria existido. Sem dúvida: o êxito histórico do projecto «Portugal» terá sido decisivo para a robustez, e decerto a expansão, do sistema que designamos como galego-português. Mas em momento nenhum esse sistema precisou de um Portugal para existir. 
Na historiografia da língua portuguesa, sempre a intimidade de relações de português e galego foram um tabu. Nas melhores tomadas de posição, encara-se o galego como forma de «português arcaico» ou descreve-se um (verídico, embora frustrado) processo de «desgaleguização» do idioma em território português após 1400. Em suma, a atenção dirige-se sistematicamente para as diferenças da norma, nunca para as coincidências do sistema.

É provável que esta visão portuguesa seja a única possível, aquela que não faz perigar o mito da Pátria providencialmente perfeita, exemplarmente original. Os investigadores da identidade o dirão. Mas pode lamentar-se que a historiografia linguística portuguesa tenha sido, sempre, tão serviçal aos parâmetros ideológicos.


Importante é também ter consciência que apesar deste reino independente, os portugueses eram reconhecidos exteriormente à península como espanhóis, e os portugueses não o renegavam. Ao Concílio de Constança,  além de eclesiásticos, assistiram também representantes das cinco "nações" mais importantes de Europa. Segundo o Liber Pontificalis, foram gentes itálicas, gálicas, germânicas, hispânicas e anglas. Quanto à denominada "nação espanhola", fizeram parte da mesma delegados procedentes dos reinos de Castela e Leão, da Coroa de Aragão, do Reino de Navarra e do Reino de Portugal.

A bandeira da Portugal entre 1475-1479, com os símbolos de Castela e Leão.

Em 1474, Henrique IV, rei de Castela, morre e deixa como filha legítima e preferida para lhe suceder ao trono, Joana de Castela, mas uma outra facção nobre tinha preferência por Isabel, uma meia-irmã do rei. Nesse sentido, e de maneira a fazer valer a sua vontade, Henrique IV, pede ao seu cunhado, Afonso V de Portugal, que case com Joana, sua sobrinha. Afonso V aceita e casa com Joana e adopta a nova bandeira para Portugal, mas "infelizmente" perdeu as batalhas com as forças de Isabel e a união dos reinos não seria consumada. Uma vez mais os acasos da história levaram à manutenção da divisão, não porque o povo o desejasse, não porque a lógica assim o determinava, mas apenas pelos interesses da nobreza de ambos os lados e a sorte.

Já Camões, do tempo áureo do império português, na sua obra-prima, Os Lusíadas, escrevia assim acerca dos portugueses:

Ouvido tinha aos Fados que viria
Uma gente fortissima de Espanha
Pelo mar alto, a qual sujeitaria
Da India tudo quanto Dóoris banha,
E com novas vitóorias venceria
A fama antiga, ou sua, ou fosse estranha.
Altamente lhe dói perder a glóoria,
De que Nisa celebra inda a memóoria.

Pois, cá está, os portugueses são uma gente fortíssima. De onde? De Espanha, diz o "maior português de todos os tempos" de forma clara.

António Saraiva de Carvalho, em História da Literatura Portuguesa, diria o seguinte:

"A literatura portuguesa pode considerar-se emancipada com o advento da dinastia de Avis. Inicia-se então a prosa doutrinal portuguesa original com D. Duarte e uma historiografia nacional com Fernao Lopes. Mas até ao século XVIII as relações com a literatura castelhana serão tão intimas, que alguns dos mais notáveis escritores portugueses, como Gil Vicente, Camões, Sá de Miranda, D. Francisco Manuel de Melo, ilustram as duas línguas, prolongaram a sua influência em ambos os lados da fronteira e pertencem por isso a ambas as literaturas. No século XVI a palavra «Espanha», tal como a empregam, por exemplo, João de Barros e Camões, servia para designar o conjunto peninsular em que os Portugueses se consideravam incluídos, e essa acepção do termo mantém-se até ao século XVIII."



Os próprios Reis católicos (Fernando e Isabel) recusam o título de Reis de Espanha pois têm consciência que sem Portugal e Navarra, Espanha não estaria completa.
Apesar da sua recusa não deixam de ser tratados como tal, pois reuniam sob o seu domínio a maior parte da península, o que leva os Reis portugueses, D. João II e D. Manuel, a protestar pois também eles eram Reis de Espanha.

D. João II foi um dos reis que mais claramente quis que a Ibéria estivesse unida e para esse desígnio levou um dos seus filhos, o infante Afonso, a casar com a filha mais velha dos reis católicos, Isabel de Aragão e Castela. Com este casamento, estaria dado um grande passo para a unidade sonhada pelas monarquias ibéricas, no entanto, por má sorte, mais uma vez, este infante terá um acidente fatal e que os impede de chegar a ter um herdeiro para o trono ibérico. Isabel volta a casar, desta vez com D. Manuel, com o mesmo intuito mas morre no dia em que dá à luz um herdeiro e pouco depois o herdeiro também vem a falecer.
Em 1580, os hispânicos voltam a unir-se novamente, até que em 1640, com apoio dos ingleses (obviamente) e dos franceses, uma parte da nobreza portuguesa voltou a declarar a independência. Durante este período de união os Filipes usaram com todo o direito o título de Rei de Espanha. Depois da restauração o título manteve-se e Portugal teve que renunciar à mesma pretensão. Sobre o assunto Almeida Garrett escreve o seguinte:

“Enquanto Castela esteve separada do Aragão e já muito depois que unida, nós e as demais nações da Espanha, Aragoneses, Castelhanos, Portugueses, todos éramos, por estranhos e próprios, comummente chamados «espanhóis» assim como ainda hoje chamamos «alemão» ao Prussiano, Saxão, Hannoveriano, Austríaco: assim como o Napolitano, o Milanês, o Veneziano e o Piamontês recebem indistintamente o nome de Italianos. A perda de nossa independência política depois da jornada de Alcazarquivir, deu o título de reyes das Espanhas aos de Castela e o Aragão, título que conservaram ainda depois da gloriosa restauração de 1640. Mas espanhóis somos, de espanhóis nos devemos apreciar todos os que habitamos a Península Ibérica: Castelhanos nunca».

O escudo português em posição de destaque em período da União Ibérica



Segundo o que nos contam esta união foi trágica para Portugal, mas será que foi mesmo? Vamos olhar o caso do Brasil. Vejam a dimensão que estava destinada a Portugal no Tratado de Tordesilhas e vejam a dimensão do Brasil de 1822. Este redimensionamento, muito favorável a Portugal, só foi possível graças à União Ibérica que permitiu aos portugueses ocuparem territórios que não lhes pertenciam. Portugal no fim da União Ibérica terminou com mais território do que aquele que possuía antes. Nesta altura, Espanha era o mais poderoso império do mundo e as outras potências europeias fizeram tudo para lhe diminuir o poder. França e Inglaterra prestaram auxílio aos rebeldes/terroristas, mas qual foi o preço? Oliveira Martins escreveria o seguinte:
“Verdade que nossa independência restaurou-se em 1640; mas, como? Se atreverá alguém a dizer que foi uma ressurreição? Não será a História da Restauração a nova História de um país que, destruída a obra do Império Ultramarino, surge no século XVII, como o nosso aparece a Bélgica para as necessidades do equilíbrio europeu? Não vivemos desde o 1641, sob o protectorado de Inglaterra? Não chegamos a ser, positivamente, uma fábrica britânica?”

Lenine corroboraria a opinião de que Portugal passou, com o decorrer do tempo, a ser pouco mais do que um fantoche nas mãos dos ingleses, senão veja o que este escreveria em 1917:
“O exemplo de Portugal mostra-nos uma forma um pouco diferente de dependência financeira e diplomática, ainda que conservando a independência política. Portugal é um estado independente, soberano, mas na realidade há mais de duzentos anos, desde a Guerra da Sucessão de Espanha (1701 – 1714), que está sob o protectorado da Inglaterra. A Inglaterra defendeu-o, e defendeu as possessões coloniais portuguesas, para reforçar as suas próprias posições contra os seus adversários: a Espanha e a França. A Inglaterra obteve em troca vantagens comerciais, melhores condições para a exportação de mercadorias e, sobretudo para a exportação de capitais para Portugal e suas colónias, pôde utilizar os portos e as ilhas de Portugal, os seus cabos telegráficos, etc., etc. Este género de relações entre grandes e pequenos Estados sempre existiu, mas na época do imperialismo capitalismo tornam-se sistema geral, entram, como um elemento entre tantos outros, na formação do conjunto de relações que regem a «partilha do mundo», passam a ser elos da cadeia de operações do capital financeiro mundial.” 

Amílcar Cabral, umas décadas mais tarde, veio dizer o mesmo:

"Deparados com o poder das principais nações imperialistas, somos forçados a pensar como é que foi possível a Portugal, um país subdesenvolvido e atrasado, manter as suas colónias apesar da redistribuição à que o mundo estava sujeito. O colonialismo português conseguiu sobreviver apesar da partilha de África feita pelas potências imperialistas no fim século XIX porque a Inglaterra apoiou as ambições de Portugal que, desde o Tratado de Methuen em 1703 se tornou uma semicolónia de Inglaterra. A Inglaterra tinha todo o interesse em usar as colónias portuguesas, não apenas para explotar os seus recursos económicos, mas também para ocupá-las como bases de apoio na rota para o Oriente e assim manter um domínio absoluto no Oceano Índico. Para combater a ganância de outras potências coloniais e defender os seus interesses nas colónias portuguesas, Inglaterra encontrou a melhor solução: defender os ‘direitos’ da sua semicolónia."   


A igreja de Roma, à qual o nosso clero se encontra ligado, nunca acedeu às pretensões portuguesas de independência e é apenas quando Espanha reconhece a independência de Portugal que a nossa igreja também a reconhece. Igualmente o nosso muito afamado Padre António Vieira, fez o que esteve ao seu alcance para acabar com a guerra pela independência e manter a unidade ibérica, nomeadamente com a sua ida a Roma para se encontrar com o embaixador de Espanha propondo-lhe o casamento da filha de Filipe IV com D. Teodósio de Bragança, filho de D. João IV.

Sobre o pedido de ajuda português e a pretensa ajuda inglesa, o professor José Hermano Saraiva diz-nos o seguinte:
“…estivemos à beira da guerra; uma esquadra inglesa bloqueou o Tejo e interceptou a navegação para Brasil; no Oriente, os ingleses apoiaram os persas, que nos conquistaram Ormuz. Para restabelecer as boas relações tivemos de aceitar o tratado de 1654: em troca da paz abrimos aos ingleses o comércio com o Brasil, África e domínios Orientais, fixamos em 23% o imposto a pagar pelas mercadorias manufacturas importadas por Portugal e obrigámo-nos a recorrer aos navios ingleses sempre que necessitamos de fretar embarcações estrangeiras. De todas as cláusulas, a que Portugal teve maior relutância em aceitar foi a que autorizava os mercadores ingleses estabelecidos em Portugal a praticar a sua religião. Cromwell chegou a mandar ao Tejo uma esquadra para impor a ratificação que demorava. Em 1660, quando a Espanha, terminava a sua longa guerra com a França, ficava com todas as suas forças livres para as utilizar contra nós, voltamos a solicitar a aliança militar inglesa. Negociou-se então o casamento de uma princesa portuguesa, Dona Catarina, filha de D. João IV, com o rei de Inglaterra, Carlos II. Portugal entregava Tânger em África e Bombaim na Índia. Os mercadores ingleses foram então autorizados a estabelecer feitorias nos domínios portugueses especificando-se no tratado as cidades de Goa e Cochim, Diu, São Salvador da Baía, Pernambuco, Rio de Janeiro. Portugal comprometia-se ainda a transferir para a soberania inglesa as terras que os holandeses nos tinham arrebatado na Índia, se os ingleses as pudessem reconquistar, e a dividir com a Inglaterra o tratado de canela da ilha de Ceilão, se acaso o reconquistássemos. Em troca, a Inglaterra mandaria a Portugal dois regimentos de cavalaria e dois de infantaria, prestaria assistência com a sua esquadra no caso de invasão e na luta contra os piratas e dispunha-se a promover a paz entre Portugal e a Holanda (Tratado de Whitehall, 1661). Este tratado marca o início da penetração e do predomínio da diplomacia britânicas em Portugal. […] A versão patriótica que atribui ao domínio espanhol a derrocada do império só contém meia verdade, porque as perdas mais graves foram o preço da restauração."


Em 'Portugal na Monarquia Dual : O Tempo dos Filipes (1580-1640)' de Abílio Lousada podemos ler:

Mas a União Dinástica teve inegáveis efeitos benéficos para Portugal: a permanentemente acossada costa algarvia, pelos berberes, ganhou outra segurança com as expedições navais castelhanas à costa marroquina; a instalação, em território português, de tercios hispânicos, deu um acrescido sentimento de segurança interna às populações; Sevilha, principal porto intermediário dos negócios com o Novo Mundo, passou a ser frequentado por comerciantes portugueses, beneficiando sobremaneira uma burguesia que acedia a novos «centros comerciais»; o mercado interno, esbatidas as barreiras alfandegárias, alargou-se; o Brasil desenvolveu-se, assumindo-se como o comércio externo predominante, de onde chegava o açúcar, o tabaco, a madeira, o milho, a mandioca e o óleo de baleia. Neste aspecto, a rede económica intercontinental montada pela Monarquia, que assentava nos “escravos africanos, produtos agrícolas brasileiros e metais da Américacastelhana”, parecia funcionar.


José Mattoso sobre a ideia de que os portugueses se uniram todos contra os "espanhóis":
"A Restauração, ao contrário do que julgaram os historiadores portugueses do século XIX, foi um movimento minoritário e que internamente se impôs com dificuldade.

Pedro Cardim reforça esta evidência:

"No que especificamente respeita ao Portugal dos Áustrias, percebeu-se que, ao invés de uma exploração espanhola, aquilo que aconteceu a partir de 1581 foi o envolvimento directo de Portugal na história da Monarquia Hispânica, um envolvimento não isento de tensões e de conflitos, mas, apesar disso, com grande participação de largos sectores da população. Quanto a 1640, ou seja, o ano em que se deu a revolta que pôs fim ao Portugal dos Filipes, verificou-se que essa ruptura política foi acima de tudo o resultado algo imprevisível de uma série de tensões e de lutas entre facções, e não propriamente um inevitável movimento "nacional" alimentado por sentimentos patrióticos. Tornou-se evidente que a conotação patriótica de 1640 foi adicionada depois de a revolta ter acontecido, um trabalho levado a cabo pela propaganda do período pós-1640, tendo em vista legitimar a rebelião, justificar a ruptura política e mobilizar a população para a guerra contra a Monarquia Espanhola. E percebeu-se, finalmente, que foi essa mesma propaganda que criou e difundiu a ideia de que Portugal tinha sido explorado pela Monarquia Espanhola durante 60 anos."

E prossegue na mesma linha de pensamento:

"Hoje sabemos que a ruptura portuguesa, longe de ser inevitável, foi o fruto de uma conjugação bastante imprevisível de factores e de motivações, e sabemos também que o seu principal motor não foi um sentimento nacional supostamente acalentado pelas massas. Está provado que, a par do grupo que liderou a revolta, muitos eram os lusos que pretendiam que Portugal permanecesse na Monarquia Espanhola, exigindo, porém, que a autonomia do seu reino fosse mais respeitada. A par deles sabe-se que existia, e que continuou a existir, um grupo que era convictamente a favor de uma maior integração de Portugal na Monarquia Espanhola. Por último, sabemos também que a maioria das pessoas era bastante indiferente em relação ao que se estava a passar, e que a muitos não repugnava continuar na Monarquia Espanhola, bem pelo contrário. Bastava dar continuidade ao que tinham feito nos 60 anos anteriores."

Pois, os principais grupos de interesses portugueses estavam sim bastante insatisfeitos pelo facto de Portugal não estar totalmente integrado em Espanha e assim não obterem acesso ao que Espanha lhes podiam proporcionar de bom (portos das colónias espanholas e lugares nas igrejas e tribunais de toda a Espanha) ao passo que do outro lado tinham acesso a tudo deste lado da raia. Assim, a cobiça da corte espanhola foi uma das razões para o levantamento de uma pequena parte das elites portuguesas, mas não por nenhuma consciência patriótica — pois o que estes realmente queriam era uma integração total em Espanha — mas sim por legítimos e justos interesses económicos. José Mattoso:

"Eram práticas; e num sentido estavam indicando a anexação, como a política que satisfaria a todos. A nobreza queixava-se que os senhorios e bens aristocráticos de Portugal se dessem a espanhóis, contra as indicações das cortes de Tomar. Os negociantes pediam que lhes abrissem os portos das colónias espanholas da América. Os magistrados, os jurisconsultos, os letrados e eclesiásticos pediam também que se lhes desse lugar nos tribunais e nas igrejas de toda a Espanha. Que pretendiam todos? Que Portugal se fundisse no corpo da monarquia; mas a corte de Madrid, que podia ir saqueando o reino conquistado e unido, veria secar-se essa fonte, desde que a fusão se consumasse; e a burguesia espanhola, togada, mitrada, comercial, temia a concorrência dos adventícios aos lugares e às especulações mercantis."

"... o duque, a nobreza e burguesia não reclamavam a independência, desejando, bem no íntimo, a fusão. Repeliam e indignavam-se, porém, contra o sistema híbrido, contra a união dos dois reinos, que, permitindo a Espanha saquear Portugal, não dava aos portugueses os foros e interesses dos espanhóis. Se a política de Madrid não estivesse condenada à fraqueza da cobiça; se claramente se pronunciasse pela encorporação de Portugal, em vez de seguir o caminho, fatal para ela, da rapina, parece evidente que Portugal, concluído o ciclo de Avis, teria desaparecido para sempre do rol das nações. Com efeito, as reclamações portuguesas eram simples e justas..." 

Mas se nos últimos anos haveria alguma justa insatisfação de algumas elites portuguesas, no período de Filipe II (I de Portugal) a União Ibérica satisfez quase a toda a gente. Nem o povo se entusiasmou com a tentativa de Prior do Crato, com a ajuda dos pérfidos ingleses, de recuperar o poder. Nuno Gonçalo Monteiro:

Durante todo o reinado de Filipe II (que na série dos réis portugueses, ficou conhecido por Filipe I), estas condições foram respeitadas. Nobres, clérigos , armadores e burgueses não tiveram razões para se arrepender do apoio prestado à causa estrangeira. O sentimento antiespanhol foi pouco mais do que uma atitude literária de alguns homens das camadas intelectuais e, na alma do povo, reduziu-se a uma nostalgia calada. Quando, em 1589, o prior do Crato conseguiu voltar a pôr os pés em Portugal, apoiado em importantes forças inglesas, a sua presença não despertou o menor apoio popular. O exército que o trouxe desembarcou em Peniche e caminhou até Lisboa, mas a cidade preparou-se para a resistência. Sem condições para um cerco prolongado, os Ingleses voltaram para Inglaterra. O aforismo «amigos de Peniche» é ainda um vestígio que ficou da linguagem dessa inglória tentativa de restauração.  

"Amigos de Peniche" significa um amigo que se faz passar por bom mas que na verdade tem outras intenções bem diferentes. Isto prova bem como o povo estava perfeitamente consciente e que não se deixava enganar assim tão facilmente.

É poucos anos depois após a Restauração que Portugal começa a fazer de tudo para renegar a sua "Hispanidade" e começa por envidar esforços para transformar a Língua Galego-Portuguesa, uma língua hispânica, numa língua autónoma admitindo-lhe estrangeirismos e enveredando por caminhos “pseudo-etimológicos”

Enquanto a Real Academia Espanhola reformava a ortografia no século XVIII em bases fonéticas racionais, a "Academia Real das Sciencias de Lisboa" consagrava a etimologia como supremo princípio ortográfico. Talvez fosse influenciada, nessa política, pela ortografia francesa ou, com mais probabilidade, pelo desejo de tornar a língua portuguesa, até no plano gráfico, a mais diferenciada possível da castelhana.


Paul Teyssier sobre este assunto escreve o seguinte:
“No século XVIII, o lugar deixado vago pelo Espanhol como segunda língua de cultura, será ocupado pelo francês, mas neste caso já não há uma situação de bilinguismo. A literatura francesa vai apenas tornar-se a base da cultura portuguesa, tornando-se também um intermediário de contacto com o mundo exterior.”


Após séculos de afastamento — e após a traição dos franceses com a invasão da ibéria e da luta ibérica contra Napoleão — começa uma confluência de interesses que se expressa essencialmente nas mentes das elites liberais peninsulares. Liberais espanhóis prestam ajuda às forças de D. Pedro IV contra o absolutista D. Miguel. Neste século XIX florescem então, em ambos os lados da fronteira política, intelectuais a favor da União Ibérica. Há duas correntes principais: a Monárquica e a Republicana de tendência federal.

Bandeira ibérica federal, composta pelas cores de Portugal e Espanha

Alguns destes intelectuais:

· Teófilo Braga
· Miguel de Unamuno
· Fernando Pessoa
· Antero de Quental
· José Félix Henriques Nogueira
· Latino Coelho
· José Maria Caldeira do Casal Ribeiro
· Almeida Garrett
· Francisco Pi y Margal
· Emilio Castelar
· Sinibaldo de Mas
· António Cánovas del Castillo
· Sixto Cámara
· Juan Valera
· Guerra Junqueiro
· Oliveira Martins


Antero de Quental


·                     “O abraço ibérico” foi o que Antero de Quental denominou ao desaparecimento das nacionalidades existentes na ibéria para a evolução do novo país. Este novo país só seria possível com uma revolução e com uma república federal dando início à descentralização do poder, proporcionando voz a todos os sectores existentes nas nações ibéricas.

“Se não é possível sermos justos, fortes, nobres, inteligentes, senão deixando cair nos abismos da história essa coisa a que se já chamou nação portuguesa, caia a nação, mas sejamos aquilo para que nos criou a natureza, sejamos inteligentes, nobres, fortes, justos, sejamos homens, muito embora deixemos de ser portugueses.”

Concretizando:


"...Chegados a estas conclusões, vemos o ideal revolucionario de Portugal tocar-se, confundir-se com o ideal da revolução hespanhola. Para toda a peninsula não ha hoje senão uma unica politica possivel: a da federação-republicana-democratica. E, em face d'esta formidavel unidade de interesses, de ideas, de vontades, e de aspirações, que podem as barreiras da nacionalidade significar mais do que uma tradição, um symbolo poetico, cujo sentido se perde de dia para dia, até se tornar de todo incomprehensivel, até desapparecer? Moralmente essas barreiras cairam já.

Para as consciencias mais rectas, para as intelligencias mais seguras dos dois povos, unidas nos mesmos desejos e n'um pensamento commum, a nacionalidade não passa d'um obstaculo desgraçado, resto das hostilidades fataes de seculos barbaros, e que só por um lamentavel accordo dos interesses da minoria dominante e dos prejuizos da multidão inintelligente se tem podido sustentar. Mas esse accordo desfez-se. O irresistivel movimento democratico da nossa sociedade vai tornar inevitavel a queda da nacionalidade, nas opiniões, a principio, e mais tarde nos factos, no grande dia do abraço fraternal das populações da peninsula iberica.

A revolução social é identica para os dois povos: identica, para os dois povos, deve ser a revolução politica. E o successo ou insuccesso da actual revolução hespanhola, o seu desfecho feliz ou infeliz, em nada altera este ponto de vista puramente ideal da politica iberica. Organisado o federalismo democratico em Hespanha, é um facto, um facto visivel e soberano, que se torna o alvo das nossas aspirações, o nosso exemplo, o programma do unico partido com vida e significação em Portugal. Nem, em tal caso, é só um partido, mas a nação toda, que levada por um impulso irresistivel gravita para o centro de attracção da constellação federal--Mas, perturbado o desenvolvimento logico da revolução pela ignorancia, a pusilanimidade, ou a intriga, como nenhum governo estavel, alem da federação, se póde estabelecer em Hespanha, a violenta anarchia, que se seguir, será ao mesmo tempo uma prova irrefutavel, ainda que indirecta, da verdade do programma que traçámos á revolução, e um signal para todos os homens intelligentes, sinceros, e corajosos se unirem, sem distincção de nacionalidade, em volta da bandeira da republica democratica e federal.

Em qualquer dos dois casos, a politica, para nós portuguezes, é sempre a mesma: o nosso caminho está traçado, invariavel e superior ainda ás oscilações e tremores do terreno por onde a força inexoravel das coisas o obriga a passar. Em qualquer dos dois casos, a nacionalidade, esta estreita nacionalidade dentro da qual nos está comprimindo a monarchia burgueza, tem de ser sacrificada, quer no facto d'uma revolução, quer no programma d'um partido revolucionario, a uma forma mais larga, mais livre, e mais fraternal. Em qualquer dos dois casos, para todos os elementos moços, intelligentes, activos da sociedade portugueza, não ha outra saida aberta senão esta: a democracia iberica; nem outra politica, politica capaz de idéas, de futuro e de grandeza, possivel em Portugal, senão esta: a politica do iberismo."

Oliveira Martins defendia que ambos os países separados não teriam qualquer futuro e que apenas unidos seríamos capazes de ter uma voz sonante no panorama internacional. Alertava igualmente dos efeitos nefastos da nossa aliança britânica e que a substituição desta por uma aliança com os Estados Unidos nos seria igualmente desfavorável pois estaríamos apenas a contribuir para a grandeza alheia. 

Henriques Nogueira, um grande pensador português do séc XIX, lamenta a pouca sorte dos portugueses ao mesmo tempo que sonha com uma peninsula federal de nações:

"Quisera que Portugal, como povo pequeno e oprimido, mas cônscio e zeloso

da sua dignidade, procurasse na federação com os outros povos
peninsulares a força, a importância e a verdadeira independência que lhe
falta na sua escarnecida nacionalidade."


Fernando Pessoa, um dos maiores intelectuais que viveu este período, era também um iberista (con)federal, com vários textos escritos sobre o assunto e, sendo ele um ilustre português, vamo-nos debruçar mais exaustivamente na sua opinião. Acerca desta federação e no que nos deve unir e separar, afirma:

“A questão é exageradamente simples. Devemos ser separados em tudo o que seja problemas nacionais, juntos em tudo o que seja problemas civilizacionais. Instituições, costumes, convém que tudo isso seja diferente em um, e outro, povo. Orientação perante a Europa, convém que seja em ambos a mesma.”

 Quanto à nossa especificidade ibérica, diferente dos povos latinos, e que nos une:

“Em primeiro lugar, cumpre advertir um leitor incauto que a expressão "raça latina" ou "países latinos" não tem sombra de base sociológica a que se apegue. Não há, na enorme diversidade de factores sociais incluída nos povos a que se convencionou chamar "latinos" traço comum, que não seja uma certa semelhança linguística — semelhança essa porém que resulta, não de uma fundamental e espontânea semelhança íntima de características raciais, mas de uma comum origem linguística nos restos degenerados do Império Romano.”

 Em um outro texto, continua a desenvolver o tema:

“Na península hispânica, de um lado a outro, nós não somos latinos, somos ibéricos. É preciso assentar nisto, antes de em mais nada. Nada temos, psicologicamente, de comum com os dois países herdeiros da civilização latina propriamente dita — a Itália e a França. Nós não somos latinos, somos ibéricos. Temos — espanhóis e portugueses — uma mentalidade à parte do resto da Europa. Por mais diferenças que nos separem (e elas deveras existem) estamos mais próximos psiquicamente uns dos outros, do que qualquer de nós de outro qualquer povo extra-ibérico. Têm-se dito coisas como que nós portugueses somos mais parecidos com os franceses, ou com os italianos, do que com os espanhóis; felizmente não é verdade.”


Quanto às influências externas, a que nos deixamos submeter, afirma sucintamente:

“Na germanofilia castelhana e na francofilia portuguesa estão manifestadas as duas traições culturais da península.”


Aqui expressa o seu ideal ibérico confederal:

“Seja como for, esse período das descobertas marcou o que somos. Fomo-lo incompletamente, porque agimos inibericamente. Todos nós de aqui — portugueses, castelhanos, catalães — só atingiremos a nossa maioridade civilizacional quando, confederados na Ibéria, pudermos, lidos na desgraça e na experiência triste de tanto passado, afrontar a Europa outra vez, reconstruir o nosso predomínio dos tempos em que o mundo era nosso, de outra maneira, para outros fins, [...]”


 Expurgar o que não é ibérico:

“Três são os gritos de morte que devemos trazer no nosso coração: Delenda Gallia! Delenda Germania! Delenda Ecclesia! Na aspiração ao que esses gritos pretendem construamos a nossa alma ibérica. Por uma severa disciplina íntima, inteiramente nossa, tal qual a encontraremos na nossa alma romana e árabe talhemos em nosso espírito profético o destino ibérico futuro.”
Para a construção ibérica, Pessoa, identifica três problemas internos que nos tem custado a separação:

(1) A remodelação do estado espanhol, reavendo-se Gibraltar.

(2) A integração do estado português, pela reintegração de Albuquerque e Olivença, e a anexação da Galiza.

(3) A aliança ibérica, como defesa do comum solo espiritual, invadido culturalmente pela França, e dividido territorialmente pela política da Inglaterra.

Fernando Pessoa


Sobre a unidade da Ibéria, afirma o seguinte:

“Que viabilidade tem a tentativa de uma aproximação dos dois países? Problema a estudar sociologicamente; (a) a unidade da Ibéria — a sua peninsularidade, (b) o local histórico de fusão do elemento romano com o árabe, (c) os dois países presos à mesma nota do passado, pela sua comum acção na abertura do Novo Mundo à civilização. Neste três pontos assenta a unidade da civilização ibérica, porque, por mais separados que os dois povos estejam ou se sintam, são rodas no mesmo eixo, que, por longe que estejam uma da outra, são parte do mesmo movimento e têm o mesmo sentido de direcção.”


 Apesar desta unidade, exprime claramente que a Ibéria apenas deve ser construída com respeito total pela diversidade que a compõe e portanto, apenas considera uma ibéria confederal:

“Posto, pois, que deve tender-se para uma qualquer unidade ibérica, no mesmo momento fica posto que essa unidade deve ser constituída por povos os mais divergentes possíveis dentro dessa unidade. Desaparece logo, como absurda, como ibericamente criminal, toda a tentativa que se queira esboçar de absorção de um país por outro, como criminal resulta, também logo, a absorção (fictícia, aliás) da nação catalã por Castela. Por que chegamos finalmente à visão integral da confederação ibérica.”

 Sobre a existência de estados separados, na Península Hispânica, Pessoa lamenta:

“Separados, teremos, cada um de nós, um sentido nacional; não temos sentido civilizacional. Poderemos existir mais ou menos digna e decentemente, como qualquer Bélgica ou qualquer Suíça, mas isso não é existência digna de que a ela se aspire. Valemos mais do que isso; temos direito a fazer mais que a existir.”


Leopoldo Alas ‘Clarin’ defendia que antes de uma união política deveria haver uma união cultural que seria a base para a estima dos povos e a sua aproximação. Com isto e consequentemente um melhor conhecimento do vizinho, criaria naturalmente uma empatia que facilitaria uma posterior união política. Parece-me sensato.

Miguel Unamuno referia igualmente a importância de unir culturalmente as dois países de maneira a que estes se conheçam e não sintam qualquer desvantagem na posterior e desejada união política

O número de autores hispânicos (portugueses e restantes espanhóis) que se iam juntando à causa ibérica não parou de crescer nos finais do séc. XIX e princípios do séc. XX, dando um sentido renovado ao sentimento que os povos ibéricos poderiam ter sobre esta união, assim como inspiraram, instigaram e abriram novas portas com este infindável jorro de ideias que iluminou a mente de muitos políticos e pensadores da época.

Miguel de Unamuno

Neste sentido, embora já mais tarde, a Constituição da Republica Espanhola, de 1931, acerca da nacionalidade diz o seguinte:

“A base de una reciprocidad internacional efectiva y mediante los requisitos y trámites que fijará una ley, se concederá ciudadanía a los naturales de Portugal y países hispánicos de América, comprendido el Brasil, cuando así lo soliciten y residan en territorio español, sin que pierdan ni modifiquen, su ciudadanía de origen.”


Após sensivelmente um século de pensamento liberal e de uma cultura de aproximação, da busca pela verdade histórica, de evolução científica, o nacionalismo volta à mó de cima e voltamos a mergulhar numa nova idade das trevas. Em Espanha, a Guerra Civil Espanhola e a queda da sua República e em Portugal a chegada de Salazar ao poder, que estabeleceu o seu governo autocrático baseado em cinco pilares dogmáticos: Deus, pátria, autoridade, família e trabalho e reavivou o lema “de Espanha nem bom vento nem bom casamento” e leva-nos ao ponto onde nos encontrávamos há uns poucos anos atrás.

Mas não foi apenas isto que levou ao fracasso dos ideais destes ilustres pensadores ibéricos, outras razões anteriores se verificaram, como a oposição clara por parte dos Ingleses e franceses, que detinham importantes interesses na Ibéria. Em 1873, logo quando se proclamou a primeira República em Espanha, o governo inglês manifestou ao governo francês a sua intenção de não permitir em circunstância alguma um movimento iberista.

Com a chegada da liberdade de expressão a Portugal e a Espanha e especialmente a entrada de ambos os países na CEE começamos a normalizar uma relação com o resto dos povos peninsulares. A abertura das fronteiras, o maior relacionamento directo das populações, o intercâmbio cultural, a interligação económica, felizmente, está a aproximar-nos novamente. Aliado a tudo isto, o desastre económico em que Portugal se encontra, com condições de vida muito inferiores ao outro lado da fronteira está a levar a que um grande número de portugueses já admita uma união ibérica.

De acordo com um inquérito realizado pela Universidade de Salamanca mais de 45% dos portugueses concordavam com a ideia, e isto sem qualquer campanha a favor ou promoção especial de Espanha em Portugal ou revisão histórica pois ainda continuam a contar a historinha nacionalista nas escolas de Portugal. Infelizmente creio que concordam com a união pelas piores razões (mas legítimas) e não pelas razões da verdade histórica, do raciocínio e do sentimento de que fazem parte de um todo ibérico. A lavagem cerebral é muito grande…

Neste período mais recente, o prémio Nobel da Literatura, José Saramago, expressou também a sua visão da ibéria, e como evoluiu o seu pensamento. Explica ele:

“Como cualquier otro portugués antiguo y moderno, fui instruido en la firme convicción de que mi enemigo natural es, y siempre habría de serlo, España. No atribuíamos demasiada importancia al hecho de que nos hubiesen invadido y saqueado los franceses, o que los ingleses nuestros aliados nos hubieran explotado, humillado o gobernado: esos no eran más que episodios históricos comentes que teníamos que aceptar de acuerdo con las reglas de un relativismo práctico, ese que precisamente nos enseña a relativizar, esto es, a tener paciencia. Absoluto, lo que se dice absoluto, desde nuestro punto de vista de portugueses, sólo el rencor al castellano, sentimiento llamado patriótico en que fuimos infatigables en el transcurso de los siglos, lo que, quién sabe, nos habrá ayudado por el rechazo y por la contradicción, a formar, robustecer y consolidar nuestra propia identidad nacional.”


Mas, depois de ter estado em contacto com pessoas do outro lado da fronteira, o seu pensamento mudou:

“Pero, efectivamente, algo vino a modificar mi relación, primero con España, después con la Península Ibérica en su conjunto (lo que equivale a decir que yo empezaba a lanzar sobre mi propío país una mirada diferente): la evidencia de la posibilidad de una nueva relación que sobrepusiera al diálogo entre Estados, formal y estratégicamente condicionado, un encuentro continuo entre todas las nacionalidades de la Península, basado en la búsqueda de la armonización de los intereses, en el fenómeno de los intercambios culturales, en fin, en la intensificación del conocimiento.”


No entanto essa sua ideia de ibéria plural, federada, foi rechaçada em ambos os estados actuais alertando, já nessa altura, do desconhecido que é essa União Europeia:

“Esta concepción abierta de los hechos peninsulares tenía que chocar inevitablemente, y sobre todo por parte de España, con una indignada y muy patriótica resistencia, pues se objetaría que en el «caldo» ibérico así preconizado, se habría de disolver la, desde siempre trabajosa, unidad de los Estados…”
“Cuando, por fin, había encontrado ya mi Península Ibérica, en ese momento, la perdía. Intenté mirar más allá de la frontera y comprender lo que hasta los Pirineos se extendía, y cuando apenas me había empezado a acostumbrar al deslumbramiento de esa nueva visión, acudían los políticos que gobiernan en mi país (otros que también me gobiernan no están aquí), acudían, repito, a enseñarme que tales visiones eran anacrónicamente cortas, que si yo quería ser un hombre de mi tiempo tenía que pasar a jurar por Europa, aun no sabiendo exactamente, ni yo ni ellos, qué Europa es ésa que tan bien parece querernos. En resumen: ser ibérico equivalía, o equivale, a rozar peligrosamente la traición, ser europeo representa el toque final de la perfección y la vía ancha para la felicidad eterna.”
José Saramago

E a quem recusa ver a realidade, Saramago afirma:
“Sólo aquellos que todavía se mantienen asidos a prejuicios nacidos de un nacionalismo más defensivo que racional, más hecho de mesianismos que de objetividad, porfiarán en cerrar los ojos. Pero esos, si alguna vez los llegan a abrir, se hallarán, ese día, inmovilizados en la historia, solos.”


Saramago foi, sem dúvida, um iberista sem qualquer medo de afirmar aquilo que pensa, como a sua previsão de que Portugal acabará, com o tempo, por ser integrado em Espanha. Critica igualmente o medo absurdo ao investimento espanhol em Portugal quando não nos suscita qualquer receio o investimento britânico, norte-americano, brasileiro ou de qualquer outro país. A Espanha do Séc. XXI respeita a diversidade dos povos que a compõem e os portugueses seriam mais um povo que a nossa casa (Hispânia) albergaria. O nível de condições de vida dos portugueses melhoraria em grande medida e isso acaba por ser o mais importante de tudo, mas todos nós teríamos mais peso europeu e mundial e isso também, inevitavelmente, se reflectiria em um futuro melhor para todos.

Eduardo Lourenço, entre outros intelectuais destacados, afirmava, em 2009, para quem o quisesse ouvir:

“Só aos 40 anos me apercebi de que parte do meu vocabulário era leonês, ainda que falado à portuguesa”, contou, explicando que, naquela região, “a fronteira é simbólica, não há nada que fisicamente separe os dois países”.

Ainda mais explicitamente:
"Portugal ontem, hoje, e provavelmente amanhã, não tem interesse em ter uma consciência muito concreta e nítida do que é a realidade, porque se a tivesse não estávamos aqui a falar de Portugal, mas de uma obscura província de Espanha." 

Sobre a ideologia iberista do Séc. XIX, conclui:

“A palavra, hoje, não tem muito sentido, pois ibéricos somos nós há muito tempo, mesmo antes do aparecimento das nacionalidades que estão hoje na Península. Somos ibéricos por geografia e porque pertencemos a uma civilização que a romanidade instaurou”

“Isso bastaria para nos tornar semelhantes, mesmo que pensássemos que éramos muito diferentes”

Miguel Torga, diz-nos com toda a claridade:“A minha pátria cívica acaba em Barca de Alva; mas a minha pátria telúrica só finda nos Pirinéus. Há no meu peito angústias que necessitam da aridez de Castela, da tenacidade vasca, dos perfumes do Levante e do luar andaluz. Sou, pela graça da vida, peninsular. Ardo no fogo desta fé que nos devora, exalto-me nas ambições desmedidas dos nossos maiores, e afundo-me dentro de uma invencível armada de quimera”
"Apresento-me como o português hispano que sou: se nasci numa aldeia portuguesa transmontana, respiro todo o ar peninsular. Cioso da minha pátria cívica, da sua independência, da sua história e singularidade, gosto porém de me sentir galego, castelhano, andaluz e basco nos momentos complementares do meu instinto e da minha mente."



Bom, a verdade está aí para quem a quiser ler, entender, raciocinar e para quem a quiser digerir e tirar conclusões. Perante os factos podemos seguir e contar a velha lengalenga do costume e continuar a destilar ódio em relação ao vizinho do outro lado da fronteira e a quem não diz o mesmo que todos os outros, como nos foi passado de boca a boca durante gerações. Ou então assumir o que somos e não fechar os olhos ao que está à nossa frente para ver.

Vais acreditar em quê? No mito? Ou em quem? No teu vizinho, no teu irmão, no teu pai, que não sabem nada sobre o assunto para além do que ouviram dizer. Nos políticos do sistema que apenas defendem os seus próprios interesses e dos grandes interesses nacionais não dando qualquer importância à verdade a não ser que lhes convenha ou na ciência, na história, nos intelectuais que não têm qualquer interesse para além da verdade? E tu? Dignas-te sequer a raciocinar ou vais continuar a aceitar tudo como um dogma? Vais continuar a acreditar que tudo que te ensinam na escola é verdadeiro?

Portugal vai persistir? Já muitos afirmam que não, entre os quais o professor Hermano Saraiva, que muito foi citado aqui, mas até é possível que persista mais umas décadas assim, isolado e de costas voltadas ao seu todo civilizacional; mas a que preço? O preço sentimo-lo todos os dias, quando metemos gasolina no carro, quando vamos ao supermercado, quando andamos nas auto-estradas, quando vemos que temos piores cidades, menos serviços, menos riqueza, menos saúde, menos educação, menos apoios sociais, menos cultura, menos oportunidades etc. Devemos aceitar isto pela exclusiva razão de dizermos que somos portugueses? Dizermos que somos ibéricos ou hispânicos ou espanhóis é ser menor? É necessário desaprender o que aprendemos e encarar a verdade de frente que, felizmente, é melhor para todos.

Há que perceber que o estado, sendo uma instituição, tudo faz para subsistir e a mentira, a desinformação do seu povo em temas essenciais à sua existência e persistência é a sua principal estratégia e tu não passas de uma vítima do sistema. 
Até a um passado mais ou menos recente, conforme o grau de instrução dos sujeitos em causa, a memória colectiva apoiava-se frequentemente em mitos, alguns deles criados justamente para servirem de suporte da crença na perpetuidade, ou mesmo na sacralidade da Pátria. — José Mattoso


Blue pill or the red pill?