segunda-feira, 28 de outubro de 2013

Porcos (três tipos diferentes)



Sábado foi dia de uma suposta grande manifestação por todo o nosso Portugal mas convém dizer que foi praticamente um não acontecimento. Porquê? Porque não houve grande publicidade e nesse sentido as pessoas não sentindo aquele frenesim de algo grande e a que todos se querem associar, simplesmente ninguém se dá ao trabalho de por lá aparecer. Se ninguém faz nada e todos calam e consentem, nada impede os porcos de continuar a fazer o que lhes dá na real gana. Mas para um povo estar assim resignado, algo que só se alcança à custa de muito endoutrinamento, temos que felicitar os nossos porcos por feito tão revelador.

Grande homem, homem porco
Ha, ha, que embuste tu és
tu próspero poderoso
Ha, ha, que embuste tu és
E quando a tua mão está no teu coração
És quase uma boa risada
Quase um bobo
Com a tua cabeça no caixote dos porcos
dizendo “continuem buscando”
Manchas de porco no teu queixo gordo
O que esperas encontrar
Em baixo na mina dos porcos?
És quase uma anedota
És quase uma anedota
Mas és realmente uma lástima

Paragem de autocarro, mala de rato
Ha, ha, que embuste tu és
Sua bruxa velha toda fodida
ha, ha, que embuste tu és
Irradias raios frios de vidro partido
És quase uma boa piada
Quase merecedora de um sorriso forçado
Gostas do sentir do aço
És toda importante com um alfinete de chapéu
E divertida com uma pistola
És quase uma anedota
És quase uma anedota
Mas és mesmo uma lástima

Ei tu, Whitehouse
ha, ha, que embuste tu és
Sua fanática por limpezas, rata de cidade
ha, ha, que embuste tu és
tentando manter os nossos sentimentos fora das ruas
És quase um verdadeiro regalo
Lábios apertados e temerosa
E sentes-te abusada?
Tens que impedir que a vaga maléfica se espalhe
E mantê-la toda dentro
Mary és quase um regalo
Mary és quase um regalo
Mas és mesmo uma lástima

O primeiro tipo de porcos são os ricos, donos das grandes empresas, os grandes capitalistas. O Roger não especificou nenhum em concreto, até porque são muitos, mas cá no nosso burgo eu identificaria o Alexandre Soares dos Santos com os seus conselhos patrióticos hipócritas que vamos vendo quando se presta a aparecer-nos na televisão. Ha, ha, Santos, que embuste que tu és!

 Os políticos são o segundo tipo de porcos, que neste caso tem a cara de Margaret Thatcher e imaginem que ela na altura ainda nem sequer era a líder do governo britânico — apenas do Partido Conservador — mas mesmo assim já não enganava Waters. Cá para nós, não consigo pensar em melhor exemplo que o Paulo Portas — mas há muitos mais, como o Cavaco, Rebelo de Sousa, Nuno Melo, Durão Barroso etc — até pelas suas tendências “obscuras” de cabeleira postiça. Paulinho, ha, ha, que embuste que tu és!

O terceiro tipo de porcos são os moralistas que querem impedir que o rebanho se “descontrole” e perca os valores sagrados que nos foram legados por Deus e que em Inglaterra tinha como figura proeminente a muito badalada Mary Whitehouse. Em Portugal que melhor exemplo que o João César das Neves? ha, ha, que embuste que tu és, Neves!

terça-feira, 15 de outubro de 2013

Quem Somos e Como Chegamos Aqui – III – A vida na Idade da Pedra





Como nos comportávamos e pensávamos? Nós nem nos apercebemos nem temos consciência disso, mas a maior parte do nosso tempo neste planeta fomos recolectores e caçadores e vivemos a maior parte do tempo em grandes comunidades, em liberdade e muito distantes de termos os códigos morais que nos regem actualmente. Assim, apesar de tudo o que aprendemos culturalmente e das regras morais e legais que a sociedade nos impõe, subconscientemente, ainda estamos na idade da pedra (psicologia evolutiva).

Hábitos Alimentares – Praga da Obesidade
No passado, se encontrássemos algo doce por onde quer que andássemos em busca de alimento, racionalmente comeríamos tudo de uma vez porque a comida era escassa e porque não poderíamos dar-nos ao luxo de deixar para outro dia pois correríamos o risco muito forte de já lá não encontrarmos nada. Hoje o nosso ADN diz-nos exactamente a mesma coisa que nesse passado remoto, ou seja, que devemos comer o máximo que podemos para sobreviver. Nós evoluímos muito mais rápido que o nosso ADN, que nos considera como se estivéssemos na Savana, e por isso temos esse comportamento natural. 

Vida Sexual e Relações Familiares
As pessoas viviam em comunidades e não tinham relações monogâmicas: mulheres e homens tinham relações sexuais e encontros “românticos” com vários homens e várias mulheres — relações heterossexuais e homossexuais. Não existia, claro está, qualquer conceito de casamento para toda a vida e família nuclear.
Todavia isto não quer dizer que as relações fossem consideradas “noitadas” ou relações promiscuas, com uns e com outros, pois dentro da tribo todos se conheciam muito bem ao ponto de se poder dizer que se conheciam melhor do que muitos casais dos dias de hoje, até porque passavam a maior parte do tempo juntos cuidando-se uns dos outros, algo que a maior parte dos casais de hoje não se podem dar ao luxo.
As crianças não eram criadas pelo casal, mas pela tribo, até porque nunca se sabia quem seria o pai. As mulheres, no seu melhor entendimento, queriam acasalar com vários homens da tribo para que os seus filhos colhessem as melhores características de cada parceiro.

Se esta teoria se verifica verdadeira está fácil de entender os imensos problemas amorosos das nossas culturas — fomos biologicamente preparados para viver de uma maneira que entra em conflito com as normas morais e até legais das nossas sociedades modernas.

Mas como a nossa linguagem se volveu ficcional cada tribo construiu a sua história particular e torna-se difícil, assim, podermos afirmar com total segurança qual é o nosso comportamento natural porque algo que é tabu para uma tribo pode ser normal para outra.


A grande maioria dos humanos vivia em pequenos bandos sem a presença de qualquer animal com a excepção de cães. Estes foram os primeiros animais domesticados pelos humanos — uma versão mais dócil do lobo que foi apurado para protecção da nossa espécie, seja como sistema de alarme contra perigos, seja para ajuda na caça, ou mesmo como protecção. Uma característica que facilmente distingue um lobo de um cão é o facto de uns ladrarem e outros praticamente não o fazerem. O homem dedicou-se a apurar esta característica para sua conveniência. Com o tempo a relação do homem com o cão tornou-se tão importante que ainda hoje dizemos que é o nosso melhor amigo.

Tanto a solidão como a existência de uma vida privada eram situações raras naqueles tempos; havia algumas lutas entre tribos mas a cooperação é algo que se pensa ter sido mais comum:
  •        Trocas comerciais
  •        Intercâmbio de elementos das tribos
  •        Celebrações religiosas comuns
  •        Alianças contra outras tribos


Viviam em um território particular mas não no mesmo local pois consoante a estação do ano teriam que buscar alimento em locais diferentes. Em casos excepcionais alguns bandos fixar-se-iam em determinados locais por meses e às vezes até poderia chegar a um ano. Nas zonas costeiras, junto ao mar, rios, lagos e oceanos, poder-se-ia encontrar acampamentos permanentes bem antes da Revolução Agrícola.
Estas vilas piscatórias surgiram há 45 mil anos atrás nas ilhas da Indonésia e foram a base para a invasão da Austrália pela nossa espécie.
Tínhamos uma dieta variadíssima e comíamos coisas como insectos, raízes, tartarugas, sapos, cervos, mamutes etc. Neste período a economia recolectora era a mais importante para a maioria dos bandos e a sobrevivência dependia da nossa forma física e mental que tinha que ser apuradíssima. Individualmente estes humanos sabiam muito mais coisas do que um indivíduo nos dias de hoje e há até evidências que o tamanho dos nossos cérebros tem vindo a diminuir desde a Revolução Agrícola.



Estes recolectores, podemos afirmar, em muitos domínios tinham melhor vida do que nós nos nossos tempos, senão vejamos:


Países Desenvolvidos
Em Desenvolvimento
Recolectores
Horário de Trabalho
40-45 hrs/semana
50-80 hrs/semana
35-45 hrs/semana
Trabalho em Casa
Sim
Sim
Não


Trabalhador Comum Actual
Recolector
Sai de casa às 7 da manhã
Deixa o acampamento às 8 da manhã
Às 8 da manhã chega ao trabalho
Procura comida com os amigos
Trabalha na mesma máquina durante 10 hrs
Às 3 da tarde regressa ao acampamento
Leva uma hora a regressar a casa
Come e murmura com os amigos
Faz o jantar, lava os pratos, cuida da casa
Faz o que quer

Concluímos, pois, que estes recolectores tinham uma vida muito mais interessante e muito melhor alimentação do que os Sapiens pós Revolução Agrícola.

Por que razão tinham os recolectores melhor dieta do que os camponeses?
Porque os recolectores tinham acesso a uma variedade enorme de comida, enquanto, os camponeses passaram a depender apenas de uma colheita em concreto, ou por vezes de uma outra, o que não é de todo bom para a nossa saúde. Além do mais a dependência de uma determinada colheita coloca em risco de fome toda a tribo se algo de terrível acontece à colheita. A esperança média de vida era praticamente igual e situava-se entre os 30 e 40 anos, mas devia-se à enorme taxa de mortalidade infantil, no entanto, nas sociedades recolectoras, se se conseguisse atingir a idade de 20 anos era muito provável e bastante frequente alcançar-se os 60, 70 e até 80 anos.
Com a Revolução Agrícola muitos animais passaram a viver com os humanos em vilas e cidades em condições de higiene praticamente inexistentes e surgiram doenças infecciosas, derivadas dos animais. que dizimaram populações inteiras. As sociedades recolectoras continuavam saudáveis, mais livres e por conseguinte mais felizes.

Vida espiritual
Antes da Revolução Agrícola os Sapiens tinham crenças animistas, entidades com quem podiam comunicar directamente, como as rochas, montanhas, rios, árvores, coisas materiais como estas atrás referidas, assim como imateriais tais como fadas e demónios. Acreditavam que tudo possuía uma alma, um espírito. Os humanos podiam fazer todo tipo de tratados com estas entidades físicas enquanto os xamãs tinham o poder interceder sobre os espíritos. Não havia hierarquias, nem deuses poderosos, portanto todos tinham o mesmo estatuto. Não se pode falar numa religião específica mas apenas num nome que cobre uma vastidão de crenças — Animismo.
Com a Revolução Agrícola começam a aparecer os “grandes deuses” e passam a ser a forma de religião mais comum entre os sapiens. Sem embargo as diferenças entre estas religiões dos “grandes deuses” não seriam menores do que as diferenças entre as crenças animistas.

Política e Actividade Guerreira

Não dispomos ainda de muitas evidências sobre como se organizavam politicamente mas foi encontrado em Sungir, Rússia, a tumba de 3 indivíduos — 1 maior e 2 menores — que ostentavam uma riqueza acima da média.
Existem 3 teorias para esta descoberta:
  1.   Uma vez que as crianças eram demasiado pequenas para terem provado algo de especial, deviam o seu estatuto aos seus pais 
  2. Tinham sido identificadas como a reencarnação de um velho espírito
  3. Foram sacrificadas num ritual.


Isto prova que há 30 mil anos a nossa espécie já podia inventar códigos político-sociais que iam para além dos ditames do nosso ADN e dos padrões comportamentais de outros animais. Evidencia igualmente desigualdade social e hierarquias pelo menos em alguns bandos.

Quanto à guerra há várias teorias: uns afirmam que antes da Revolução Agrícola não havia muito por que lutar. Outros afirmam que sempre foi muito violento devido à nossa intolerância intrínseca com a diferença. A verdade é que não há evidências que provem violência em grande escala no período pré-Revolução Agrícola, mas uma vez que somos capazes de construir realidades como bem entendemos, é bem possível que algumas tribos tenham arquitectado as suas sociedades em torno da violência e outras em torno de formas de vida mais pacíficas.

  

quinta-feira, 10 de outubro de 2013

Quem somos e como chegamos aqui – II – A Revolução Cognitiva

Quem somos e como chegamos aqui –

 II – A Revolução Cognitiva


Há 2 milhões de anos atrás havia várias espécies de humanos mas há 75 mil anos atrás, a nossa espécie, os Sapiens, e apenas estes, conseguiram colonizar o mundo inteiro.

Por que razão apenas nós e apenas há 75 mil anos?

Não é de resposta simples, até porque há 100 mil anos atrás já tinham um cérebro como o nosso e fisicamente eram iguais a nós, mas por esta altura não tinham feito nada de especial nem eram mais espertos do que qualquer outra espécie humana.
Sabemos que na primeira tentativa de sair de África, há 100 mil anos atrás, quando chegaram ao Médio-Oriente foram rechaçados pelos Neandertais, evidenciando a sua maior força física e melhor adaptação a este ambiente.
Há 75 mil anos algo especial aconteceu. Os Sapiens desta vez ganharam aos Neandertais e num pequeno período de tempo alcançaram o resto do mundo. Há 45 mil anos atrás atravessaram o mar alto e chegaram à Austrália, assim como, atravessando o Estreito de Bering, alcançaram o continente americano. Para atingir tamanhos feitos tiveram que se adaptar muito rapidamente a outros climas para os quais não estavam inicialmente preparados.

Desenvolveram novas tecnologias: jangadas, barcos, lâmpadas a óleo e a agulha.
Entre há 40 mil e 50 mil anos a nossa espécie humana desenvolveu, no que agora chamamos Indonésia, a primeira sociedade marítima que lhes permitiu progredir a sua “tecnologia naval” e assim alcançar a Austrália, Japão, a Ilha Formosa etc.
Neste mesmo período inventaram a agulha que lhes permitiu coser roupa e fazer todo o tipo de roupas e tendas que lhes permitiu viver em climas mais frios, sendo esta invenção vital para terem conseguido alcançar a América.
Não menos importante foi a invenção das lâmpadas a óleo que lhes permitia pintar dentro de cavernas e esta invenção foi a chave para a revolução artística.
Há 30 mil anos atrás aparecem as primeiras evidências de religião

Que mais aconteceu há 70 mil anos que nos fez tão especiais?

Antes deste período fazíamos os mesmos utensílios que os outros humanos, mas a partir desta altura não paramos mais de inovar: Arte, joalharia, trocas comerciais, sociedades complexas — centenas de pessoas ao contrário das outras espécies que não ultrapassavam as dezenas. E a capacidade única, e extraordinária, de acreditar em coisas que não existem. Estas só existem na mente imaginativa do Sapiens.
Tudo isto só foi possível devido à revolução cognitiva que nos sucedeu há 70 mil anos atrás.
Habilidades cognitivas:
  •  Pensar
  •  Lembrar
  •  Comunicar
  • Aprender

A História começa com a revolução cognitiva


Como é que isto acontece e porquê?
Provavelmente uma pequeníssima alteração na estrutura interna do nosso cérebro, uma mutação menor, como que duas partes do nosso cérebro se ligassem.

Por que razão apenas aconteceu aos Sapiens?
Sorte pura. Se isto não tivesse ocorrido provavelmente já estaríamos extintos ou, quem sabe, seríamos governados por Neandertais.

Linguagem — O que tem a nossa linguagem de especial?

  •   Não é a única linguagem nem sequer foi a primeira a aparecer.
  •   É muito pouco provável que tenha sido a linguagem per se, que nos tenha tornado especiais.

1ª Teoria:
Apesar de outros animais terem a capacidade para fazer chamamentos vocais, nós podemos partilhar todo o tipo de informação, sobre rios, montanhas, leões e não simplesmente sons básicos pois temos a capacidade para discutir todo o tipo de informações sobre o mundo.

2ª Teoria:
A coisa mais importante da nossa linguagem não é a nossa habilidade para partilhar informação sobre rios, montanhas, leões e o mundo, mas sim a capacidade de compartir informação sobre nós próprios. A nossa linguagem evoluiu para que possamos murmurar, bisbilhotar.
Nos dias de hoje, alguns de nós, tendemos a considerar que a bisbilhotice e os murmúrios incessantes do povo são algo desagradável e até tendemos a ter uma certa pena da vida vazia destas pessoas que nada mais têm que fazer, mas foi um “defeito” fundamental para que os sapiens alargassem o seu número de “conhecidos” e pudessem fazer maiores alianças. Os Sapiens são um animal social e a cooperação social é a chave para sobrevivência e reprodução. É muito mais importante para a tua sobrevivência saber o que se está a passar na tua tribo do que ter informação sobre leões, montanhas ou rios. Quem odeia quem? Quem anda a dormir com quem? Quem é honesto? De confiança? Todas estas respostas são vitais para as importantes decisões que têm que tomar.

Todos os outros grandes primatas têm interesse em assuntos sociais mas não têm capacidade para murmurar convenientemente devido à sua linguagem limitada.
Tanto os Neandertais como os Sapiens, há 100 mil anos atrás, mostravam interesse em assuntos sociais mas devido à sua limitação linguística não conseguiam murmurar sobre os outros, falar nas costas dos outros, e isto, por incrível que pareça, impediu que pudessem colaborar em grandes números. A nova linguagem do Sapiens, que surgiu há 70 mil anos atrás, permitiu-lhe murmurar sobre outros indivíduos e com isto conhecer muitos mais elementos, levando assim ao desenvolvimento de sociedades mais sofisticadas e unidas aptas a cooperar melhor.

Esta teoria é suportada por estudos de psicologia, sociologia, economia e até biologia.
A maioria das nossas comunicações, mesmo nos dias de hoje, são murmúrios. É o que as pessoas mais gostam de falar e geralmente estes murmúrios são sobre o que os outros fazem de mal, o que acaba por ter uma função de policiamento sobre os outros. Quem quebrasse as regras da tribo, a moral, a norma, acabava com todos os outros a terem má opinião sobre aquele que infringe. Se nos dias de hoje a coisa é má e nos traz alguns problemas, imaginem como seria no passado. Nesse tempo era simplesmente uma condenação de morte.

Ambas as teorias são boas mas são apenas uma parte da história.

O atributo mais importante na nossa linguagem é podermos transmitir informação sobre coisas que não existem:
  •       Lendas
  •     Deuses
  •     Mitos   
  •     Religiões

Há muitos anos atrás alguém disse algo como: “a mulher leoa é a guardiã da nossa tribo” e os outros todos tenderam a concordar e algo extraordinário começou a verificar-se. Algo surpreendente que não se verifica com mais nenhum animal. 
À linguagem dos Sapiens dá-se o nome de linguagem ficcional.

Foi este atributo benéfico para a nossa espécie?

Foi mais que benéfico e até podemos dizer que foi essencial para nos tornar a espécie dominante do planeta. Porquê? Porque nos permitiu criar realidades colectivamente, como a história da criação bíblica, o mito nacionalista dos estados modernos, ou o mito do “tempo do sonho” dos aborígenes australianos. Com estes mitos proporcionou-se à nossa espécie a habilidade de colaborar em números extraordinários que de outra maneira seria completamente impossível ao mesmo tempo que nos dá flexibilidade para colaborar de acordo com a história que se invente.

Existem outros animais que colaboram em grandes números mas apenas para um determinado propósito — como as formigas ou abelhas — não se conseguindo adaptar a novas possibilidades ou desígnios. E outros animais que são flexíveis, podendo adaptar-se consoante a oportunidade que surgir — como os lobos ou os chimpanzés — mas não têm a habilidade de cooperar em grandes números. Os Sapiens, devido a esta característica singular da nossa linguagem, são os únicos animais que conseguem tanto colaborar em grandes números como adaptar-se em função da oportunidade que surja.

Como funcionam as sociedades dos chimpanzés?
  •      Em grupos de 30, 40, 50 ou 60 elementos.
  •      Caçam juntos.
  •      Lutam juntos contra grupos de chimpanzés inimigos ou babuínos.


                           Hierarquia - Macho Alfa
  •      Ataca para manter a estabilidade social
  •      Fica com a melhor comida
  •      Impede que os machos de nível inferior acasalem com as fêmeas


Como é que se alcança o “estatuto” de macho alfa?

Não é apenas uma questão de força física, pois não se consegue ser o macho alfa apenas por dominar todos os outros fisicamente. Se algum o tenta, em pouco tempo teria que enfrentar uma coligação de chimpanzés que lhe retiraria o poder. Apenas alcanças o poder se construíres uma coligação com o apoio de tanto machos como fêmeas. Assim, chimpanzés fisicamente mais débeis podem alcançar o estatuto de macho alfa.

Como o fazem? (qualquer semelhança com os políticos em alturas de campanha é pura coincidência…)
  •      Contacto diário com os outros membros do grupo
  •      Favores mútuos
  •      Abraços e cumprimentos
  •      Beijos aos bebés
  •      Oferecem bananas em troca de apoio
  •      Fazem imensas coligações dentro do grupo


Mas há limites para as sociedades dos chimpanzés. Como são sociedades bastante hierarquizadas, estes não sabem como reagir perante novos membros: se estão acima ou abaixo da sua posição. Têm que se conhecer muito bem para funcionarem colectivamente e por isso só em raríssimas excepções podemos encontrar um grupo com mais de 100 chimpanzés. Os vários grupos que se formam são inimigos que competem entre si por comida e território e até, em certas ocasiões, acontecem genocídios. 

Antes da revolução cognitiva nós éramos assim até que com o murmúrio ou bisbilhotice nos permitiu tomar conhecimento de mais elementos. Mas não podemos murmurar sobre milhões de pessoas e segundo estimativas, com base científica, só se pode fazer isto de forma efectiva até um máximo de 150 elementos.
Como é que o Sapiens pode então colaborar com mais elementos, com pessoas que não conhece nem nunca ouviu falar?
O segredo é a nossa linguagem ficcional, que consegue criar mitos em que um número extraordinário de elementos pode acreditar — histórias que só existem na cabeça da nossa espécie.

Exemplos de ficções:

Igrejas — Católicos que nunca se encontraram antes podem ir para a guerra, lutar lado a lado, apenas porque ambos acreditam no céu e no inferno.

Estados – Portugueses que nunca se encontraram antes irão para a guerra apenas porque acreditam na nação portuguesa, na sua bandeira.

Mito Económico – Dois empregados da Vodafone cooperam ainda que nunca se tenham conhecido antes pois ambos crêem na Vodafone e em Euros.

Dois advogados cooperam para ajudar um estranho porque ambos acreditam na justiça, na lei, e nos direitos humanos- — Mito da lei.

Nada destas coisas, que temos quase como sagradas, existem além das mentes férteis do Sapiens. Não existem Deuses (ou Deus), nações, corporações, leis, dinheiro, direitos humanos, justiça de qualquer tipo, fora da imaginação da nossa espécie.

As nossas modernas instituições funcionam da mesma maneira que as antigas no passado.
As tribos primitivas cimentavam a sua ordem social acreditando em fantasmas e juntando-se à volta de fogueiras, mas nós falhamos em nos aperceber que as nossas sociedades funcionam da mesma maneira.
Os nossos advogados e grandes homens de negócios estão para o nosso tempo como os poderosos feiticeiros estavam para os tempos remotos. A grande diferença é que os nossos feiticeiros modernos contam-nos histórias bem mais estranhas do que os velhos feiticeiros.
Antigos xamãs diziam que tinhas que te comportar de uma determinada maneira senão estarias insultando os teus ancestrais e estes se iriam enfadar e castigar-te. É fácil de perceber o que é um fantasma que estes feiticeiros falam.
Os feiticeiros dos tempos modernos também te avisam que deves comportar-te de determinada maneira ou determinada corporação castigar-te-á.


Mas o que é exactamente um corporação?
Começo por relembrar que não há outra maneira para que sapiens cooperem em grandes números que não pela criação de mitos que só existem nas nossas cabeças.
Vamos dar o exemplo da Peugeot, que, por coincidência ou não, tem por símbolo um leão, fazendo lembrar aquela estatueta descoberta na Alemanha que nos prova a existência de religiões. Começou por ser uma pequena empresa e neste momento conta com mais de 200 mil funcionários.

O que é a Peugeot?
São os carros? Não, a empresa continuará mesmo que todos os carros se destruam.
As máquinas da empresa? Não, mesmo que todas as máquinas se destruam a corporação substituirá por novas.
Os empregados? Não, todos os empregados podem ser substituídos
Os detentores das acções? Também podem ser substituídos
É imortal? Não, um juiz pode pronunciar as “palavras mágicas” e dissolver a companhia.
O que é uma corporação afinal? É ficção, apenas existe nas nossas cabeças.

No passado qualquer propriedade apenas podia ser possuída por pessoas de carne e osso. Se uma pessoa tivesse uma loja que produzisse carroças e uma das suas carroças vendidas tivesse defeito, tu podias pedir responsabilidades ao dono da loja. Se o dono da loja não pudesse pagar o empréstimo que tivesse contraído ele teria que assumir a responsabilidade e em último recurso poderia ser feito escravo assim como a sua família.
Isto envolvia demasiados riscos e as pessoas preferiam não arriscar. Então agora é a empresa que assume os riscos e não os donos.

Como foi isto criado? “Hoc est corpus meum” – Este é o meu corpo.
Expressão latina que significa "este é o meu corpo" mas ao ser ouvida pelo povo inculto volveu-se “hocus pocus”  (palavras mágicas)

Direito Comercial (história ficcional)
  •     Se um advogado certificado vestido com as suas roupas impressionantes
  •     Se este seguir todos os rituais apropriados
  •     Se puser a sua assinatura em um papel impressionante
  •     "Hocus Pocus" uma nova companhia ganha “corpo”

A grande dificuldade é fazer crer a milhões de pessoas em estas histórias (deuses, nações, direitos humanos etc.). Quando alguém é bem sucedido consegue um imenso poder sobre as pessoas.

Mentir não tem nada de especial, pois outros animais também o fazem. Realidades imaginárias é completamente diferente, pois as pessoas realmente crêem nelas. Alguns são charlatões e aproveitam-se da ilusão para tirar proveito, mas a maioria acredita realmente nas ficções. Nós vivemos em ambos os mundos: o mundo verdadeiro e as construções sociais. É isto que permite ao sapiens cooperar em grandes números.

Estas histórias ficcionais podem mudar muito rapidamente e inesperadamente: os franceses passaram de acreditar na sacralidade do poder dos reis para acreditar que o poder pertence ao povo.
Enquanto as revoluções nos outros animais só acontecem se existir uma mutação genética ou transformações ambientais drásticas, o Sapiens pode muito facilmente alterar os seus gostos, costumes, crenças, ideias, comportamentos, consoante a realidade ficcionada que esteja em vigor no seu ambiente.
Dois casos no mesmo período de tempo. Um alemão e um português que tenham vivido entre 1900 e 2000.

Berlim:
Infância – 2º Reich (dinastia de Hohenzollern)
Dos 18 até aos 33 – República de Weimar
Dos 33 até aos 45 – 3º Reich (Revolução Nazi)
Dos 45 até aos 89 – Alemanha de Leste (Comunismo)
Dos 89 até à morte – Reunificação (capitalismo, democracia)

Lisboa:
Infância – Monarquia Constitucional
10 Anos – 1ª República
Aos 26 anos – Ditadura Militar e Estado Novo (Ideário Fascista)
Aos 74 anos - Socialismo Revolucionário (Ideário Marxista)
76 Anos – Capitalismo Democrático


Estás a ver como tudo é uma mentira, uma ilusão, e que tu apenas andas ao sabor do vento em proveito de quem tem um olho em terra de cegos? Pois a história ainda está a começar.