terça-feira, 1 de março de 2011

O Acordo Ortográfico


O Acordo Ortográfico tem sido criticado pela maioria dos portugueses porque estes sentem que vão perder o poder que detinham sobre a língua que até agora pensavam como só sua. Convém explicar às pessoas que para além da língua não pertencer a nenhum povo em especial, que esta escrita convencionada com que todos nós escrevemos, já foi alterada bastantes vezes e não reflecte em todos os casos a maneira como todos nós nos expressamos oralmente. Nunca foi uniforme, e mesmo entre portugueses, a escrita não reflecte inteiramente a maneira como se pronuncia as palavras, pois há diferenças de pronuncias claras no território português, sendo a mais óbvia a do norte e a do sul, no continente.

A língua portuguesa teve a sua origem no Galego, que veio do norte, e que com outros falares diferentes, do sul, foi incorporando na base galega novos sons, novas palavras e chegamos ao que temos hoje — uma língua que se afastou da sua origem e avançou e denominou-se português. As palavras também já se escreveram de várias maneiras ao longo dos tempos e não é a nossa maneira actual que é a mais correcta, é simplesmente a maneira convencionada que de momento faz mais sentido. Foi a que nos ensinaram e a que aprendemos e nada mais.

Mas a questão essencial neste assunto é que este acordo, é um acordo político, com vantagens económicas para todos e quem ainda não o percebeu é porque infelizmente não consegue ver para além do seu umbigo nem tem dois dedos de testa. Vamos todos continuar a falar igual, da mesma maneira de sempre, eu com a minha pronuncia nortenha, outros com a pronuncia sulista — e socialmente correcta — e todos os outros do mundo da Lusofonia vão manter a sua pronuncia própria como até aqui. O que muda é a escrita, e tão só isso, como já mudou muitas vezes e daí, como estamos agora a ver, não veio nenhum mal ao mundo.

O triste nestas manifestações contra o Acordo Ortográfico, uma vez mais e infelizmente, é o patriotismo bacoco na maior parte dos casos, que os impede de dizer algo com substância que não aquilo que alguém ouviu e repetiu sem pensar muito sobre o caso.

"O Brasil quer colonizar Portugal e nós não precisamos deste país para nada, eles é que precisam de nós. Eu não vou falar brasileiro! A língua é nossa!"

Pode ser um transmontano a dizer isto, assim como pode ser um açoriano, que já escreve um português que pouco reflecte a sua oralidade, mas mesmo assim é um acérrimo defensor do português orquestrado em Lisboa e jamais aceitaria um desvio ao que dizem ser português de Portugal.

Mas enfim, compreende-se quando este país viveu quase um século fechado sobre si, a crer que Portugal era ainda uma enorme potência e que tudo o que era de Portugal era bom.

A Língua Portuguesa é um extraordinário motivo de orgulho para muita gente, de prestígio para o país, mas é essencialmente de relevância económica e é isso que está em questão acima de tudo. Mas para beneficiarmos de tudo isso é obviamente necessário o suporte do Brasil que representa, sozinho, mais falantes de português do que todos os outros países juntos e pensarmos que poderíamos forçar o Brasil a adoptar a nossa ortografia sem contrapartidas seria no mínimo inocente. Claro que o povo pode continuar a vociferar, meter a cabeça na areia às evidencias, dizer que nunca escreverá de maneira diferente, mas quem nos dirige tem outras responsabilidades e, felizmente neste caso, não estão a dormir. A máxima do "orgulhosamente sós" só colhe nas mentes de pobres idiotas e neste caso, em particular, a visão dos políticos é bem clarividente em relação ao futuro e às perspectivas globais. Uma língua de 10 milhões vale pouco, e se nos isolássemos até podíamos correr o risco de os "PALOPs" se alinharem pela potência emergente e então teríamos que andar a correr atrás do prejuízo de forma humilhante.

Digamos que são reacções normais do rebanho, crescem a acreditar que o que lhes ensinam é a verdade suprema e depois quando se apercebem que foram "enganados" fazem ruído.
"A dona que eu am'e tenho por Senhor
amostrade-me-a Deus, se vos en prazer for,
se non dade-me-a morte.
A que tenh'eu por lume d'estes olhos meus
e porque choran sempr(e) amostrade-me-a Deus,
se non dade-me-a morte.
Essa que Vós fezestes melhor parecer
de quantas sei, a Deus, fazede-me-a veer,
se non dade-me-a morte.
A Deus, que me-a fizestes mais amar,
mostrade-me-a algo possa con ela falar,
se non dade-me-a morte."
Aqui tens companheiro aſsi nos feitos
Como no galardão injusto & duro,
Em ti & nelle veremos altos peitos,
A baxo eſtado vir humilde, & eſcuro:
Morrer nos hoſpitais em pobres leitos,
Os que ao Rey, & aa ley ſeruem de muro,
Iſto fazem os Reys, cuja vontade
Manda mais que a juſtiça & que a verdade.
E já se escreveu:philosophia, theatro, chimica (química), rheumatismo, martyr, sepulchro, thesouro, lyrio, posthumo, cysne, cathecismo e também era "o fim do mundo" quando se simplificou a escrita e aqui estamos como se nunca tivéssemos escrito assim.

Dos Velhos do Restelo não reza a história e é a união que faz a força. Já nos isolamos de Espanha e agora isolar-nos também do Brasil, embora tivesse menos consequências para o povo português, não deixaria de ser um erro gravíssimo.  

1 comentário:

  1. Parabéns pelo comentário,
    eu sou brasileiro e também fico chocado com este apego a lingua.
    principalmente em uma época de internet que a língua está mudando muito, simplificando cada vez mais.
    abraço
    Luis Eduardo
    cientista1@gmail.com

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