Quem somos e como
chegamos aqui –
II – A Revolução Cognitiva
Há 2 milhões de anos atrás havia várias espécies de humanos
mas há 75 mil anos atrás, a nossa espécie, os Sapiens, e apenas estes,
conseguiram colonizar o mundo inteiro.
Por que razão apenas nós e apenas há 75 mil anos?
Não é de resposta simples, até porque há 100 mil anos atrás
já tinham um cérebro como o nosso e fisicamente eram iguais a nós, mas por esta
altura não tinham feito nada de especial nem eram mais espertos do que qualquer
outra espécie humana.
Sabemos que na primeira tentativa de sair de África, há 100
mil anos atrás, quando chegaram ao Médio-Oriente foram rechaçados pelos
Neandertais, evidenciando a sua maior força física e melhor adaptação a este
ambiente.
Há 75 mil anos algo especial aconteceu. Os Sapiens desta vez
ganharam aos Neandertais e num pequeno período de tempo alcançaram o resto do
mundo. Há 45 mil anos atrás atravessaram o mar alto e chegaram à Austrália,
assim como, atravessando o Estreito de Bering, alcançaram o continente
americano. Para atingir tamanhos feitos tiveram que se adaptar muito
rapidamente a outros climas para os quais não estavam inicialmente preparados.
Desenvolveram novas tecnologias: jangadas, barcos, lâmpadas a óleo e a agulha.
Entre há 40 mil e 50 mil anos a nossa espécie humana
desenvolveu, no que agora chamamos Indonésia, a primeira sociedade marítima que
lhes permitiu progredir a sua “tecnologia naval” e assim alcançar a Austrália,
Japão, a Ilha Formosa etc.
Neste mesmo período inventaram a agulha que lhes permitiu
coser roupa e fazer todo o tipo de roupas e tendas que lhes permitiu viver em
climas mais frios, sendo esta invenção vital para terem conseguido alcançar a
América.
Não menos importante foi a invenção das lâmpadas a óleo que
lhes permitia pintar dentro de cavernas e esta invenção foi a chave para a
revolução artística.
Há 30 mil anos atrás aparecem as primeiras evidências de
religião
Que mais aconteceu há 70 mil anos que nos fez tão especiais?
Antes deste período fazíamos os mesmos utensílios que os
outros humanos, mas a partir desta altura não paramos mais de inovar: Arte,
joalharia, trocas comerciais, sociedades complexas — centenas de pessoas ao
contrário das outras espécies que não ultrapassavam as dezenas. E a capacidade
única, e extraordinária, de acreditar em coisas que não existem. Estas só
existem na mente imaginativa do Sapiens.
Tudo isto só foi possível devido à revolução cognitiva que
nos sucedeu há 70 mil anos atrás.
Habilidades cognitivas:
- Pensar
- Lembrar
- Comunicar
- Aprender
A História começa com a revolução cognitiva
Como é que isto acontece e porquê?
Provavelmente uma pequeníssima alteração na estrutura
interna do nosso cérebro, uma mutação menor, como que duas partes do nosso
cérebro se ligassem.
Por que razão apenas aconteceu aos Sapiens?
Sorte pura. Se isto não tivesse ocorrido provavelmente já
estaríamos extintos ou, quem sabe, seríamos governados por Neandertais.
Linguagem — O que tem a nossa linguagem de especial?
- Não é a única linguagem nem sequer foi a primeira
a aparecer.
- É muito pouco provável que tenha sido a
linguagem per se, que nos tenha
tornado especiais.
1ª Teoria:
Apesar de outros animais terem a capacidade para fazer
chamamentos vocais, nós podemos partilhar todo o tipo de informação, sobre rios,
montanhas, leões e não simplesmente sons básicos pois temos a capacidade para
discutir todo o tipo de informações sobre o mundo.
2ª Teoria:
A coisa mais importante da nossa linguagem não é a nossa
habilidade para partilhar informação sobre rios, montanhas, leões e o
mundo, mas sim a capacidade de compartir informação sobre nós próprios. A nossa
linguagem evoluiu para que possamos murmurar, bisbilhotar.
Nos dias de hoje, alguns de nós, tendemos a considerar que a
bisbilhotice e os murmúrios incessantes do povo são algo desagradável e até
tendemos a ter uma certa pena da vida vazia destas pessoas que nada mais têm
que fazer, mas foi um “defeito” fundamental para que os sapiens alargassem o
seu número de “conhecidos” e pudessem fazer maiores alianças. Os Sapiens são um
animal social e a cooperação social é a chave para sobrevivência e reprodução.
É muito mais importante para a tua sobrevivência saber o que se está a passar
na tua tribo do que ter informação sobre leões, montanhas ou
rios. Quem odeia quem? Quem anda a dormir com quem? Quem é honesto? De
confiança? Todas estas respostas são vitais para as importantes decisões que
têm que tomar.
Todos os outros grandes primatas têm interesse em assuntos
sociais mas não têm capacidade para murmurar convenientemente devido à sua
linguagem limitada.
Tanto os Neandertais como os Sapiens, há 100 mil anos atrás,
mostravam interesse em assuntos sociais mas devido à sua limitação linguística
não conseguiam murmurar sobre os outros, falar nas costas dos outros, e isto,
por incrível que pareça, impediu que pudessem colaborar em grandes números. A
nova linguagem do Sapiens, que surgiu há 70 mil anos atrás, permitiu-lhe
murmurar sobre outros indivíduos e com isto conhecer muitos mais elementos,
levando assim ao desenvolvimento de sociedades mais sofisticadas e unidas aptas
a cooperar melhor.
Esta teoria é suportada por estudos de psicologia,
sociologia, economia e até biologia.
A maioria das nossas comunicações, mesmo nos dias de hoje,
são murmúrios. É o que as pessoas mais gostam de falar e geralmente estes
murmúrios são sobre o que os outros fazem de mal, o que acaba por ter uma função
de policiamento sobre os outros. Quem quebrasse as regras da tribo, a moral, a
norma, acabava com todos os outros a terem má opinião sobre aquele que infringe. Se
nos dias de hoje a coisa é má e nos traz alguns problemas, imaginem como seria no passado. Nesse tempo era simplesmente uma condenação de morte.
Ambas as teorias são boas mas são apenas uma parte da história.
O atributo mais importante na nossa linguagem é podermos
transmitir informação sobre coisas que não existem:
- Lendas
- Deuses
- Mitos
- Religiões
Há muitos anos atrás alguém disse algo como: “a mulher leoa é a
guardiã da nossa tribo” e os outros todos tenderam a concordar e algo
extraordinário começou a verificar-se. Algo surpreendente que não se verifica
com mais nenhum animal.
À linguagem dos Sapiens dá-se o nome de linguagem ficcional.
Foi este atributo benéfico para a nossa espécie?
Foi mais que benéfico e até podemos dizer que foi essencial
para nos tornar a espécie dominante do planeta. Porquê? Porque nos permitiu
criar realidades colectivamente, como a história da criação bíblica, o mito
nacionalista dos estados modernos, ou o mito do “tempo do sonho” dos aborígenes
australianos. Com estes mitos proporcionou-se à nossa espécie a habilidade de colaborar em números extraordinários que de
outra maneira seria completamente impossível ao mesmo tempo que nos dá
flexibilidade para colaborar de acordo com a história que se
invente.
Existem outros animais que colaboram em grandes números mas
apenas para um determinado propósito — como as formigas ou abelhas — não se
conseguindo adaptar a novas possibilidades ou desígnios. E outros animais que
são flexíveis, podendo adaptar-se consoante a oportunidade que surgir — como os
lobos ou os chimpanzés — mas não têm a habilidade de cooperar em grandes
números. Os Sapiens, devido a esta característica singular da nossa linguagem,
são os únicos animais que conseguem tanto colaborar em grandes números como
adaptar-se em função da oportunidade que surja.
Como funcionam as sociedades dos chimpanzés?
- Em grupos de 30, 40, 50 ou 60 elementos.
- Caçam juntos.
- Lutam juntos contra grupos de chimpanzés
inimigos ou babuínos.
Hierarquia - Macho Alfa
- Ataca para manter a estabilidade social
- Fica com a melhor comida
- Impede que os machos de nível inferior acasalem
com as fêmeas
Como é que se alcança o “estatuto” de macho alfa?
Não é apenas uma questão de força física, pois não se
consegue ser o macho alfa apenas por dominar todos os outros fisicamente. Se
algum o tenta, em pouco tempo teria que enfrentar uma coligação de chimpanzés
que lhe retiraria o poder. Apenas alcanças o poder se construíres uma coligação
com o apoio de tanto machos como fêmeas. Assim, chimpanzés fisicamente mais
débeis podem alcançar o estatuto de macho alfa.
Como o fazem? (qualquer semelhança com os políticos em
alturas de campanha é pura coincidência…)
- Contacto diário com os outros membros do grupo
- Favores mútuos
- Abraços e cumprimentos
- Beijos aos bebés
- Oferecem bananas em troca de apoio
- Fazem imensas coligações dentro do grupo
Mas há limites para as sociedades dos chimpanzés. Como são
sociedades bastante hierarquizadas, estes não sabem como reagir perante novos
membros: se estão acima ou abaixo da sua posição. Têm que se conhecer muito bem
para funcionarem colectivamente e por isso só em raríssimas excepções podemos
encontrar um grupo com mais de 100 chimpanzés. Os vários grupos que se formam são
inimigos que competem entre si por comida e território e até, em certas ocasiões, acontecem genocídios.
Antes da revolução cognitiva nós éramos assim até que com
o murmúrio ou bisbilhotice nos permitiu tomar conhecimento de mais elementos.
Mas não podemos murmurar sobre milhões de pessoas e segundo estimativas, com
base científica, só se pode fazer isto de forma efectiva até um máximo de 150
elementos.
Como é que o Sapiens pode então colaborar com mais
elementos, com pessoas que não conhece nem nunca ouviu falar?
O segredo é a nossa linguagem ficcional, que consegue criar
mitos em que um número extraordinário de elementos pode acreditar — histórias
que só existem na cabeça da nossa espécie.
Exemplos de ficções:
Igrejas — Católicos que nunca se encontraram antes podem ir
para a guerra, lutar lado a lado, apenas porque ambos acreditam no céu e no
inferno.
Estados – Portugueses que nunca se encontraram antes irão
para a guerra apenas porque acreditam na nação portuguesa, na sua bandeira.
Mito Económico – Dois empregados da Vodafone cooperam ainda
que nunca se tenham conhecido antes pois ambos crêem na Vodafone e em Euros.
Dois advogados cooperam para ajudar um estranho porque ambos
acreditam na justiça, na lei, e nos direitos humanos- — Mito da lei.
Nada destas coisas, que temos quase como sagradas, existem
além das mentes férteis do Sapiens. Não existem Deuses (ou Deus), nações,
corporações, leis, dinheiro, direitos humanos, justiça de qualquer tipo, fora
da imaginação da nossa espécie.
As nossas modernas instituições funcionam da mesma maneira
que as antigas no passado.
As tribos primitivas cimentavam a sua ordem social
acreditando em fantasmas e juntando-se à volta de fogueiras, mas nós falhamos
em nos aperceber que as nossas sociedades funcionam da mesma maneira.
Os nossos advogados e grandes homens de negócios estão para
o nosso tempo como os poderosos feiticeiros estavam para os tempos remotos. A
grande diferença é que os nossos feiticeiros modernos contam-nos histórias bem
mais estranhas do que os velhos feiticeiros.
Antigos xamãs diziam que tinhas que te comportar de uma
determinada maneira senão estarias insultando os teus ancestrais e estes se iriam
enfadar e castigar-te. É fácil de perceber o que é um fantasma que estes
feiticeiros falam.
Os feiticeiros dos tempos modernos também te avisam que
deves comportar-te de determinada maneira ou determinada corporação
castigar-te-á.
Mas o que é exactamente um
corporação?
Começo por relembrar que não há
outra maneira para que sapiens cooperem em grandes números que não pela criação
de mitos que só existem nas nossas cabeças.
Vamos dar o exemplo da Peugeot,
que, por coincidência ou não, tem por símbolo um leão, fazendo lembrar aquela
estatueta descoberta na Alemanha que nos prova a existência de religiões.
Começou por ser uma pequena empresa e neste momento conta com mais de 200 mil
funcionários.
O que é a Peugeot?
São os carros? Não, a empresa
continuará mesmo que todos os carros se destruam.
As máquinas da empresa? Não, mesmo
que todas as máquinas se destruam a corporação substituirá por novas.
Os empregados? Não, todos os
empregados podem ser substituídos
Os detentores das acções? Também
podem ser substituídos
É imortal? Não, um juiz pode
pronunciar as “palavras mágicas” e dissolver a companhia.
O que é uma corporação afinal? É
ficção, apenas existe nas nossas cabeças.
No passado qualquer propriedade
apenas podia ser possuída por pessoas de carne e osso. Se uma pessoa tivesse
uma loja que produzisse carroças e uma das suas carroças vendidas tivesse defeito, tu podias pedir responsabilidades ao dono da loja. Se o dono da loja não
pudesse pagar o empréstimo que tivesse contraído ele teria que assumir a
responsabilidade e em último recurso poderia ser feito escravo assim como a sua
família.
Isto envolvia demasiados riscos e
as pessoas preferiam não arriscar. Então agora é a empresa que assume os riscos
e não os donos.
Como foi isto criado? “Hoc est
corpus meum” – Este é o meu corpo.
Expressão latina que significa "este é o meu corpo" mas ao ser ouvida pelo povo inculto volveu-se “hocus pocus” (palavras mágicas)
Direito Comercial (história
ficcional)
- Se um advogado certificado vestido com as suas
roupas impressionantes
- Se este seguir todos os rituais apropriados
- Se puser a sua assinatura em um papel
impressionante
- "Hocus Pocus" uma nova companhia ganha “corpo”
A grande
dificuldade é fazer crer a milhões de pessoas em estas histórias (deuses,
nações, direitos humanos etc.). Quando alguém é bem sucedido consegue um imenso poder sobre as pessoas.
Mentir não tem
nada de especial, pois outros animais também o fazem. Realidades imaginárias é
completamente diferente, pois as pessoas realmente crêem nelas. Alguns são
charlatões e aproveitam-se da ilusão para tirar proveito, mas a maioria
acredita realmente nas ficções. Nós vivemos em ambos os mundos: o mundo
verdadeiro e as construções sociais. É isto que permite ao sapiens cooperar em
grandes números.
Estas
histórias ficcionais podem mudar muito rapidamente e inesperadamente: os
franceses passaram de acreditar na sacralidade do poder dos reis para acreditar
que o poder pertence ao povo.
Enquanto as
revoluções nos outros animais só acontecem se existir uma mutação genética ou
transformações ambientais drásticas, o Sapiens pode muito facilmente alterar os
seus gostos, costumes, crenças, ideias, comportamentos, consoante a realidade
ficcionada que esteja em vigor no seu ambiente.
Dois casos no
mesmo período de tempo. Um alemão e um português que tenham vivido entre 1900 e
2000.
Berlim:
Infância – 2º
Reich (dinastia de Hohenzollern)
Dos 18 até aos
33 – República de Weimar
Dos 33 até aos
45 – 3º Reich (Revolução Nazi)
Dos 45 até aos
89 – Alemanha de Leste (Comunismo)
Dos 89 até à morte – Reunificação
(capitalismo, democracia)
Lisboa:
Infância – Monarquia
Constitucional
10 Anos – 1ª República
Aos 26 anos – Ditadura Militar e Estado
Novo (Ideário Fascista)
Aos 74 anos - Socialismo Revolucionário
(Ideário Marxista)
76 Anos – Capitalismo Democrático
Estás a ver como tudo é uma mentira, uma ilusão, e que tu apenas andas ao sabor do vento em proveito de quem tem um olho em terra de cegos? Pois a história ainda está a começar.